Existe um sentimento no mercado tecnológico de que as empresas precisam se concentrar em rentabilidade, economia e monetização, em vez de focar no crescimento como um todo.
Grande parte dessa mudança foi motivada por empresas unicórnio, startups tecnológicas avaliadas em 1 bilhão de dólares antes de abrirem seu capital em bolsas de valores. Muitas, depois de chamarem a atenção por conquistarem seu lugar ao sol de forma inovadora, caíram nos mercados públicos ou até mesmo fecharam seus negócios.
Um exemplo é a WeWork, empresa americana que cresceu em um ritmo frenético, faturando US$ 75 milhões em 2014 e US$ 1,8 bilhão em 2018. O CEO e cofundador, Adam Neumann, almejou levar a WeWork para a Bolsa de Valores de Nova York, mas seus planos de IPO (entrada na Bolsa) implodiram.
Nos últimos meses, a empresa viu sua avaliação despencar em dezenas de bilhões de dólares (de US$ 47 bilhões para US$ 8 bilhões), demitiu milhares de funcionários e foi resgatada (quase) à beira do colapso financeiro pela investidora japonesa Softbank, que fez sua oferta em outubro de 2019. Porém, recentemente o grupo japonês anunciou a retirada de compras de ações da WeWork, citando investigações criminais e civis, seu fracasso em reestruturar uma joint venture na China e o impacto da pandemia de coronavírus.
Há muitas razões pelas quais empresas de alto nível têm lutado para sobreviver depois de levantar montanhas de dinheiro de capital de risco, mas o quadro geral foi esquecido.
Não se trata de crescimento OU monetização, mas sim de como a monetização alimenta o crescimento como parte de um sistema. É importante dizer que existem fatores macroeconômicos que dificultam o sucesso de todas as empresas de tecnologia.
Como uma pessoa que está atenta ao que tem acontecido no mercado mundial, eu alerto: o jogo está mudando constantemente e é preciso ficar atento!
Nesse artigo, vou abordar alguns pontos sobre o assunto:
- Os custos de aquisição de clientes continuam aumentando por conta de canais limitados, aumento da concorrência e limitação dos dados disponíveis.
- A monetização não é posta em pé de igualdade com a aquisição e a retenção e se tornará um recurso mais importante no modelo de crescimento.
Os custos de aquisição continuam aumentando
Algumas situações têm causado grande impacto na forma como as empresas estão crescendo e, consequentemente, monetizando. E esses fatores devem ser analisados com cautela.
Canais limitados
Entre 2002 e 2016, surgiam constantemente novos canais escalonáveis para serem explorados (Facebook, YouTube, Instagram, Snapchat, etc.), todos com grandes públicos até então desconhecidos.
Isso significava novas oportunidades de aquisição de clientes para empresas focadas no meio digital. No entanto, nos últimos anos, o número de canais escalonáveis diminuiu ou permaneceu o mesmo.
Os custos de criação de startups de software diminuíram e o mercado aumentou, ou seja, isso gerou o aumento da concorrência em todos os canais. Em outras palavras, a demanda por um número limitado de canais de aquisição aumentou enquanto a oferta permaneceu quase a mesma.
Além disso, existe um aumento da concorrência em quase todos os segmentos de mercado, o que significa que há mais empresas vendendo produtos do mesmo nicho para o mesmo público-alvo.
No gráfico abaixo é possível ver que as empresas que iniciaram sua jornada há 5 anos entraram no mercado com apenas 2,6 concorrentes em média no primeiro ano. Em contrapartida, para as empresas lançadas no ano passado, esse número subiu para quase 10.
Direcionando os esforços
Uma das maneiras encontradas pelas empresas para enfraquecer o aumento da concorrência é utilizar mais e melhores dados, além de novas ferramentas de marketing, para que seus esforços de aquisição de clientes sejam muito mais direcionados.
Além disso, enquanto há algum tempo o acesso aos dados impactava diretamente em melhorias de eficiência em plataformas pagas, nos dias de hoje, com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), as preocupações com a privacidade e outras regulamentações têm mudado a forma de entender o cliente e, com isso, entregar o que se espera.
Aumento do CAC
O resultado de tudo isso? O custo de aquisição de clientes (CAC) aumentou e vai continuar aumentando. Como você pode ver nos dados abaixo do ProfitWell, o custo de aquisição de clientes em todos os canais é quase 60% maior hoje do que há 5 anos, tanto para as empresas B2B quanto para as B2C.
Então, o que tudo isso significa? Que você deve se concentrar em outra parte do sistema de crescimento.
O crescimento é um sistema conectado
O crescimento envolve três pilares:
- Aquisição;
- Retenção e
- Monetização.
Quando falo que o crescimento é um sistema conectado, quero dizer que à medida em que você aprimora um dos pilares, os outros também melhoram e possibilitam novas oportunidades. Nas circunstâncias certas, isso pode se tornar um ciclo de reforço positivo.
O mesmo princípio se aplica à monetização, porém há uma falsa crença de que a monetização vem à custa do crescimento, ou seja, que conforme a empresa cresce, a monetização também se eleva. Na verdade, se você entender o modelo de crescimento, poderá fazer melhorias na monetização que permitem que a empresa cresça ainda mais.
Existem várias alavancas para monetização, e cada uma delas apresenta oportunidades de melhoria.
A monetização não está em pé de igualdade
Quando foi a última vez que o preço do seu produto foi alterado? Ou que mudou um componente do seu modelo de monetização? Ou mesmo um elemento na página de preços? Agora compare isso com há quanto tempo e com que frequência você mudou alguma estratégia relacionada à aquisição ou retenção de clientes.
Aposto que você encontrou uma grande diferença nessa comparação, certo? A maioria das empresas gastaram somente entre 5 e 15 horas em estratégias de preço no último ano. E o preço é apenas uma das muitas alavancas da monetização. Duvida? Então dá uma olhada nesses números:
Em outras palavras, a monetização quase nunca é posta em pé de igualdade com os outros pilares do crescimento. Aí você me pergunta o porquê. Eu respondo: existem quatro razões principais.
1) Incompreensão das alavancas
Quando pensamos em monetização, geralmente associamos às mudanças de preço de um produto. Na verdade, o valor cobrado é apenas uma das várias alavancas da monetização.
O que você cobra, com que frequência cobra, como o seu preço varia, como você combina e embala todas essas informações e como as comunica ao seu público são alguns exemplos de outras alavancas. A falta de compreensão desse cenário leva as equipes na direção errada e termina em mais falhas do que sucessos.
2) Entendimento do cenário real
Geralmente, as estratégias de monetização acabam englobando um trabalho de adivinhação, ou seja, um “chute”. Aí, o produto vai para o mercado e, se for bem-sucedido, crescer e se popularizar, a empresa vai acreditar que as decisões de monetização tomadas foram assertivas e que, por isso, não devem ser alteradas. No entanto, esse sentimento não reflete a realidade.
3) Medo da revolta do cliente
Uma das objeções quando o assunto é alteração da monetização é o argumento de que os clientes vão se revoltar. Até faz sentido: em 2011, por exemplo, quando a Netflix aumentou o valor dos seus serviços nos EUA, isso gerou um descontentamento nos clientes e muitos disseram que “a Netflix iria morrer”.
No entanto, ela não só não morreu, como está mais viva e sagaz do que nunca. A Netflix alterou seus preços 8 vezes desde 2014 nos EUA e ainda aumentou de US$ 1,3 bilhão em receita para US$ 5,5 bilhões no mesmo período.
No Brasil, as alterações de preços aconteceram 5 vezes desde seu lançamento em 2011, conforme o gráfico abaixo. Foram exatamente essas alterações de valores que contribuíram para que a empresa explodisse seus ganhos nesse período.
Em algum momento você vai precisar alterar o valor do seu produto, queira ou não, então a verdade é que o medo que o consumidor se irrite aumenta as chances de gerar uma revolta do cliente. Quanto mais tempo você demorar para fazer isso, maior será a alteração final no valor.
O Evernote foi um bom exemplo disso. Em 2000, eles lançaram o produto com três tipos de plano com preços diferentes, sendo um deles a versão free. Desde então, vários concorrentes entraram no mercado.
Durante muito tempo, o Evernote não alterou os preços com medo de perder sua base de usuários. Somente em 2016, 16 anos depois, eles limitaram os recursos do plano gratuito e aumentaram os valores de seus planos premium. Com isso, foram recebidos com uma enorme revolta de seus assinantes, mesmo com as alternativas dos concorrentes tendo preços similares.
Portanto, fica a dica: as pessoas reagem mais negativamente com o tamanho da mudança e com como você a comunica do que com a frequência com que a realiza.
Eu insisto em dizer que é exatamente essa possibilidade de revolta que deve te motivar a repensar como está o seu relacionamento com o cliente.
Os ajustes são necessários e você deve pensar em fazê-los com mais frequência. No entanto, é preciso definir com antecedência a periodicidade e, claro, os valores dessas mudanças. Tão importante quanto, é ajustar o tom que será usado para comunicar isso aos clientes.
4) Mais gente envolvida = menos alterações
Deseja desacelerar ou extinguir uma iniciativa? Fácil: envolva mais pessoas. Infelizmente, isso é exatamente o que costuma acontecer com os esforços de monetização.
As mudanças podem afetar diversas equipes: finanças, vendas, customer success, marketing, produtos, etc. Todo mundo quer se expressar, mas cada área tem seus interesses e seu próprio processo de tomada de decisão.
Assim, você acaba com mais pessoas envolvidas e processos completamente diferentes para tomar decisões. Termina em uma grande confusão emaranhada de nada ser feito.
A dificuldade dos concorrentes é a sua oportunidade de crescimento
Deixo aqui duas dicas finais sobre o assunto:
1- Faça o contrário do que todos estão fazendo
Se todos estiverem focados na aquisição, por exemplo, isso significa que provavelmente existe uma oportunidade de inovação em outro pilar do modelo de crescimento. Aposte nisso!
Mas falando especificamente sobre monetização, muitas empresas assumem que seus concorrentes passaram por um processo rigoroso para definir preços e, portanto, se ancoram no que eles estão fazendo. Na verdade, o melhor é criar a sua própria estratégia de monetização, entendendo profundamente os clientes, afinal, vai que os seus concorrentes também costumam “adivinhar” os preços…
2 – Abrace as dificuldades para obter retornos gigantes
Sua concorrência tem as mesmas barreiras e conceitos errôneos que todos os outros. Isso significa que é improvável que eles priorizem os esforços de monetização. E se a sua concorrência não estiver focada em algo, essa é uma oportunidade para você aproveitar no seu negócio. Portanto, coloque a monetização em pé de igualdade com os esforços de aquisição e retenção.
Espero que tenha gostado das dicas e que as coloque em prática. É preciso pensar sua empresa como um todo, não deixando de lado nenhum pilar. Só assim você vai colher os frutos que tanto espera.
E, como nunca é demais dizer: esteja disposto a tentar e a testar. Experimentação é parte fundamental do processo, seja para quem quer crescer ou para quem quer ganhar mais.