O poder das collabs na era da interdependência
Colaboração é um dos processos mais potentes e necessários no mundo contemporâneo.
A disposição de trabalhar em conjunto para atingir objetivos surgiu desde o início de nossa espécie e foi determinante para nossa evolução. Hoje, é fundamental dentro de organizações, comunidades, nações.
Na arena da inovação, a colaboração ganhou destaque quando os sistemas fechados foram sendo abandonados pelo conceito de inovação aberta a partir do século XXI. Na economia circular, parcerias são essenciais para viabilizar qualquer ideia. O Marketing não fica de fora dessa onda colaborativa que alcança notáveis amplitudes na era da interdependência.
Um dos resultados visíveis desse fenômeno é a quantidade de colaborações entre marcas para criação de produtos, campanhas e serviços.
A novidade deste início de primavera 2023 foi a comunicação da collab entre o grupo de cosméticos e perfumes O Boticário e a empresa de calçados Grendene. Estão chegando 18 itens relacionados a corpo, maquiagem, cabelo e acessórios da Linha Cuide-se Bem com o cheiro tradicional das sandálias de plástico Melissa.
Ainda que lembre da febre desde sua estreia em 1979 e adore a loja-conceito e a turma das fábricas cearenses para quem já palestrei, não tenho memória do cheiro da sandália. Só sei que faz um bruto sucesso e não só em Quixeramobim.
O lançamento dá sequência a outra colaboração bem-sucedida do O Boticário nesta mesma linha de produtos que antes destacou o aroma dos chicletes Bubbaloo. Esse eu conheço bem, pois os mastiguei vorazmente desde que destronaram os chiclês Freshen-up da Adams. Do mesmo grupo, a marca Quem disse, Berenice? lançou linha baseada na célebre bala 7Belo. Esses projetos da empresa paranaense contribuem para alcançar 30% das vendas gerada por novos produtos, meta celebrizada pela 3M como indicador relevante na gestão da inovação corporativa.
Com minha carreira de 30 anos por lá, ajudei nossos times a buscarem esse objetivo desafiador por toda a jornada. Algumas poucas vezes, fizemos collabs, especialmente com a marca Post-it que se associou a Hering para uma edição limitada de camisetas com quadrados coloridos sobre os quais era possível escrever, usando caneta especial. Em seguida, veio uma parceria com a Mr. Cat que produziu uma edição de calçados e acessórios com as cores características dos icônicos blocos auto-adesivos. Durante 2 anos, fizemos uma collab pioneira na área da educação para criar um curso de inovação 3M-FIA, em parceria com a famosa escola de gestão lá nos idos de 2014.
Na mesma rota de O Boticário, a farmacêutica CIMED trouxe os sabores de doces da marca Fini como bananinha, dentadura e beijos para a linha de hidratantes labiais Carmed Fini, faturando mais de R$ 100 milhões. Claro que as redes sociais alastraram o fenômeno com postagens de influenciadores atingindo milhões de visualizações em poucos dias, esgotando os estoques sub-dimensionados para tamanho sucesso.
A própria Grendene cultiva há tempos collabs dentro da linha Melissa, costurando parcerias com Disney, Salinas, Marc Jacobs e tantas outras empresas, estabelecendo uma seção dedicada em suas lojas enquanto a C&A também testou recentemente edição limitada de seus cosméticos em parceria com o pirulito Chupa Chups.
Uma das coisas que curtia quando ainda passava pelas lanchonetes do McDonald’s eram as colaborações do sorvete McFlurry, criado no Canadá em 1997, com outras marcas admiradas. McFlurry KitKat, Prestígio, Oreo, Kopenhagen, Ovomaltine etc. Somar força de duas marcas poderosas soava a boa ideia. Com esse calor prometido, pense em qual indulgência lhe traria mais alegria.
Se você nunca trabalhou em grandes empresas globais, não imagina como pode ser complicado realizar algo aparentemente tão simples, bacana, criativo.
Tiro o chapéu que não uso para celebrar as corajosas e perseverantes lideranças que conseguiram realizar essas inovações. Também gostei muito de uma campanha para celebrar o aniversário de 466 anos de São Paulo em janeiro de 2020 em que a Perdigão colaborou com a Arcos Dourados para criar um efêmero sanduba poderoso de mortadela. Quer coisa mais paulistana? O projeto teve o toque criativo de uma querida amiga que liderava a marca Perdigão naqueles tempos.
Essas iniciativas que citei estão muito conectadas ao universo do co-branding e licenciamentos de marca. Há até um prêmio internacional da indústria de licenciamento chamado Excellence Awards que neste ano teve como finalistas brasileiros uma collab entre Santos Futebol Clube, Charlie Brown Junior e Umbro, uma jogada bem mais afinada do que as últimas atuações do escrete da Vila Belmiro.
O licenciamento moderno de marcas tem raízes com Walt Disney e suas personagens. No Brasil, um dos pioneiros foi Maurício de Souza, que “emprestou” o Jotalhão, aquele elefante verde, para ser garoto-propaganda dos extratos de tomate Elefante da cooperativa CICA de Jundiaí em 1969, estampando suas embalagens a partir de 1979. Depois de uns tempos nas mãos da Unilever, os atomatados Elefante ainda estão no mercado como parte do portfólio da Cargill.
Mas collabs sempre existiram e nunca se limitaram a licenciamentos de marca e atividades de co-branding.
Entendo o conceito mais contemporâneo de collabs como parceria que vai além de contratos minuciosos com percentuais de comissão, fees e outras formas clássicas de remuneração entre as partes, onde uma parte quer utilizar a marca da outra no velho modo contratante-contratado, comprador-vendedor, licenciador-licenciado.
É claro que haverá advogados para elaborar detalhados contratos e necessárias definições financeiras, mas numa verdadeira collab deve haver atitude mais igualitária, sob a intenção que todos ganhem de maneira mais simétrica dentro de uma visão entusiasmada pelo impacto mútuo gerado pela parceria. Se não for assim, collab seria somente apelido charmoso da moda para retratar relações tradicionais.
Essas novas colaborações trazem a possibilidade de alcançar um público mais amplo, gerar maneiras estimulantes de engajar consumidores, produzir novos valores, explorar espaços inesperados de inovação, rejuvenescer marcas, oferecer benefícios pelas sinergias, e claro, gerar resultados de vendas, entre outros.
Termos de cooperação entre instituições de ensino e de proteção do meio-ambiente são comuns há muito tempo. Músicos e atletas colaboram, políticos e ativistas colaboram, pássaros e corajosos cangurus também, letões e lituanos, japoneses, argentinos, alemães idem… (desculpe, mas não resisti a convidar Cole Porter para a conversa).
O Dia Mundial da Criatividade, festival mais colaborativo e democrático do mundo, que agora tenho o privilégio de liderar, só acontece e mobiliza multidões em centenas de cidades desde 2014 por essa força de ação coletiva, alinhada ao redor de propósitos e valores.
No Rock in Rio 2022, Braskem, Coca-Cola, Heineken, Natura, Comlurb e Reutiliza Já se uniram para reciclar aproximadamente 4,5 Milhões de copos plásticos.
Na área social, a partir de 2022, a Havaianas criou a coleção A Quebrada Cria com arte elaborada por artistas de favelas, com parte da venda destinada para a organização Gerando Falcões que também colaborou com a Nestlé no lançamento do primeiro produto social da empresa suíça no mundo, uma barrinha de cereais com venda destinada ao Projeto Favela 3D – Digna, Digital e Desenvolvida.
A Bauducco também anunciou na metade do ano a collab com as lojas Kings Sneakers, lançando uma coleção de roupas baseada nos cookies da empresa e um sabor exclusivo de caramelo salgado. Certamente, não sou o público, mas deve ter gente animada com a ideia. Sinceramente, vou esperar repetecos de antigas collabs dos panetones com chocolate M&M, sorvetes Kibon ou espumantes Salton que fazem mais minha cabeça quando penso na Bauducco.
Muitas vezes, marcas são movidas pelas manifestações dos consumidores, pesquisas de mercado e ações explícitas de crowdsourcing.
Aproveitando nossa era da interdependência, pense no seu negócio ou nas suas “love brands” e imagine por uns minutos quais collabs que ainda não foram para a rua que você adoraria ver por aí.
Quem sabe elas pintam no meio desse bem-vindo movimento das marcas, representando a nova época de cooperação que desejamos ver em todas as dimensões da vida.
Luiz Serafim é apaixonado por inovação, palestrante, professor, diretor-executivo da “World Creativity Day” que organiza o maior festival colaborativo de criatividade do mundo e colunista da BRING ME DATA.
Cadastre-se para receber a BRING ME DATA toda segunda para não perder as principais novidades e tendências do mercado com opiniões de grandes especialistas.
As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.