O desafio encampado pelas meninas da MACFOR, algo que se tornou motivador da coluna dessa semana, tem como origem a campanha publicitária do Grupo Boticário 2024 para o Dia dos Pais. Tirante à coincidência de datas, acredito que tal escolha temática deve ter ocorrido propositalmente em função de outros motivos. Não vou me arriscar a fazer inferências, acreditando que, dessa vez, não se trata de provocação ou vingança.
Imagem: Laura Fuhrman
Isso posto, vale apontar que a força motriz geradora do amontoado de palavras que virá a seguir teve como principal referência o filme da referida campanha, além da matéria jornalística que a comenta no portal digital da revista Exame. Dessa vez, não há como deixar de fazer menção a esses dois ingredientes, visto que instigam involuntariamente a rabugice desse velho professor de marketing.
Como já mencionado em textos passados, há de se ter cautela ao atrelar uma data comemorativa, criada originalmente com o objetivo de crescimento das vendas do comércio varejista, com uma causa social relevante visando potencializar o awareness de uma determinada marca. Inevitavelmente, a pergunta retórica criada por esse colunista metido a escrevinhador aflora: “o marketing da causa ou a causa do marketing?”
Sendo mais específico: “Em que medida a decisão de executar tal campanha é um reflexo autêntico daquilo que o Grupo BOTICÁRIO realmente acredita?” Se assim o for, porque ela é veiculada somente durante tal “data comercial comemorativa”? Como apontou um “querido ex-aluno acidental leitor” dessa coluna em relação ao texto do McLanche Feliz: “até onde termina a oportunidade e começa o oportunismo?”
Que fique claro que a preocupação primordial aqui se refere à decisão de associar uma das facetas de determinada marca a uma causa social, algo se tornou um fenômeno quase obrigatório para muitos gestores de branding. E isso deve ser um problema para eles. Ainda que seja uma “tendência inevitável”, há de se exaurir a análise de risco em relação a essa decisão. O efeito reverso pode ser maior do que a causa que o originou.
Qualquer descoberta contraditória à causa defendida, ainda que deturpada ou verdadeira, pode atingir dimensões imensuráveis quando repercutida nas redes sociais. NIKE e a acusação de redução de patrocínios de atletas grávidas, Djamila Ribeiro como garota propaganda da PRADA e a famigerada entrevista da presidente do NUBANK no programa Roda Viva são exemplos emblemáticos disso. Muitos outros existem.
Por outro lado, ainda que seus efeitos negativos imediatos sejam grandiosos, ouso afirmar que, em tempos atuais, eles se dissipam rapidamente. Ainda mais quando se tem a sorte de outro fato polêmico surgir rapidamente em substituição a ele. Entretanto, nesse ínterim, muitas noites de sono são desperdiçadas pela equipe de gestão de crise do departamento de relações públicas.
Em relação à campanha do BOTICÁRIO, acredito que a análise de risco foi bem dimensionada, apesar do resultado imagético de um minuto criado pela AlmapBBDO não merecer quase nenhum destaque em termos de criatividade e ousadia. A responsabilidade é da marca, que fique claro, pois é sempre ela que carimba sua aprovação final. Não serei paternalista em relação a meus ex-alunos de lá, da agência e do anunciante. A campanha poderia ser bem melhor, com absoluta certeza.
Entretanto, a tentativa do referido fabricante de produtos cosméticos em alterar o significado da palavra “pai” em dicionários digitais é algo que pode ser classificado como pretensioso e oportunista. A ideia é que tal significado deixe de ser apenas “genitor” e passe a ser a “pessoa que cuida e oferece amor, apoio emocional e orientação no desenvolvimento pessoal dos seus filhos”, como se a maioria de pais e filhos desse mundo não soubessem disso. Em tempo: acreditar que dicionários digitais “informais” são realmente dicionários é o mesmo que acreditar que Wikipedia é uma enciclopédia.
Em relação a matéria do Portal Exame, o destaque fica restrito à qualidade do uso da Língua Portuguesa. A impressão que rapidamente se tem ao ler o texto é que matérias jornalísticas deixaram de ser revisadas antes de irem a público. Ademais, afirmar que a marca “destaca a licença parental universal como pilar fundamental para uma sociedade mais inclusiva” é algo que acredito que nem o próprio BOTICÁRIO acredita.
Por fim, quanto à causa relativa ao aumento da licença paternidade, nada a comentar. Trata-se de algo justo e necessário, já praticado por inúmeras empresas dos mais variados portes e ramos de negócio. Que assim seja e se amplifique. Todavia, o argumento usado pela AlmapBBDO como subterfúgio justificatório para a criação do filme da campanha parece ter sido utilizado sem o uso mais profundo da sensatez e da inteligência.
Trata-se do fato constatado por uma pesquisa Datafolha realizada em março desse ano de que “para 69% dos brasileiros, as mulheres devem ser as principais responsáveis por cuidar de filhos recém-nascidos”. Não poderia ser diferente, afinal, pais não têm condição de amamentar seus filhos ou filhas. Mas têm condições de sobra para propiciar que tal ato biológico de amor seja o menos penoso nos tempos em que não se está dedicado a ele.
Abraço aos pais que são também mães. E vice-versa.
Ricardo Poli é professor, palestrante, provocador, piadista e colunista da BRING ME DATA.
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As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.