Mais uma vez, por meio de um ato inesperado de consideração, recebo a mensagem de alguém, cujo apreço é recíproco, com um link digital que leva à lendária propaganda da PEPSI debochando de seu principal concorrente. Como os acidentais leitores e leitoras dessa coluna já podem imaginar, trata-se do filme em que um garotinho saca duas latinhas de COCA-COLA de uma “vending machine”, sobe sobre elas e assim consegue alcançar a tecla destinada à compra da latinha de refrigerante azul.
O fato de ainda receber insistentemente esse tipo de mensagem depois de tanto tempo após a primeira veiculação da referida peça publicitária, em 2001, é algo que chama muito a atenção desse velho professor de marketing rabugento. Por um lado, me sinto lisonjeado em ser lembrado pela associação a uma propaganda fantástica de duas grandes marcas de refrigerante. Por outro lado, a cada mensagem recebida, sou obrigado a mover grandes esforços de cordialidade dando a entender que tal ação de comunicação me era desconhecida.
Em tempo: trata-se de um ato de imenso carinho, visto que me sinto feliz ao saber que o transmissor da mensagem se interessa por assuntos de marketing e que, por conta disso, se lembra de mim. Nada mais leonino, eu sei. Não deixem de enviar mensagens, por favor!
Isso posto, é pouco arriscado afirmar que tal propaganda agrada de forma unânime quem se depara com ela. Considero um feito incrível. Já escrevi a respeito do embate entre COCA e PEPSI anteriormente e acredito que isso se repetirá algumas vezes. Afinal, são marcas amplamente conhecidas e reconhecidas, presentes no cotidiano de milhões de pessoas, incluindo aquelas que não são consumidoras de refrigerantes.
A referida peça publicitária surgiu como resposta da marca azul de refrigerantes diante da propagação pela marca vermelha de que seu principal produto vendia quatro vezes mais. Obviamente, isso ocorreu oficialmente lá pelas bandas do Tio Sam, sendo algo que acontece comumente por lá. Em território brasileiro jamais teria acontecido, quer seja em função de questões culturais corporativas “tupiniquins”, quer seja por conta das previsíveis reações do CONAR, que certamente se obrigaria a mostrar serviço nesse caso, quer seja em função das duas coisas juntas.
Isso posto, a pergunta que brota inevitavelmente na mente desse escrevinhador metido a colunista é: “Mais de vinte anos se passaram, e mesmo depois de tanto tempo, essa propaganda sobreviveu e ainda chama a atenção de muitas pessoas, por quê?” Vale lembrar que outras tantas peças publicitárias alfinetantes como essa surgiram nesse ínterim. Nike versus Adidas, Burger King versus McDonald´s, Apple versus Samsung, Mercedes versus BMW, Habib´s versus McDonald´s e Burger juntos, além de outras tantas, inclusive com os respectivos “vice-versas” dos embates elencados aí.
No caso específico da referida propaganda, alguns signos se caracterizam como inquestionáveis em termos de agradabilidade para boa parte das pessoas. Quem não gosta de crianças em filmes publicitários? Somado a isso, destaca-se a ausência de signos verbais e a presença de uma música de fundo perfeitamente “irônica” ao contexto descrito no filme. Simples, objetivo, irônico, humilhante e divertido. Tudo isso em trinta segundos, um tempo irrisório diante daquele gasto para confecção dessa coluna.
Em tempos modernos, muitos diriam que se trata de uma narrativa perfeita, ainda que desconheçam o significado real dessa palavra. Outros diriam que se trata da elaboração e execução de um storytelling perfeito, visto que os elementos de ambiente, personagem, conflito, desfecho e mensagem ocorrem em irretocável cadência e sintonia. Nesse caso, algo difícil de se negar.
Uns outros ainda diriam que tudo é resultado da criação de um projeto glorioso de copywriting. Nesse caso, algo inaceitável. Afinal, publicitários criam roteiros, design e textos que remetem a histórias fantasiosas, assim como fazem os escritores de obras ficcionais. Copywriters inventam “narrativas” falaciosas a partir de fatos “plugados” que nada tem de relação entre si e são esquecidas rapidamente. Se você é um profissional desse tipo e acredita que não se encaixa nesse perfil, não se sinta ofendido, por favor. Basta que passa a considerar o nome de sua profissão como “redator publicitário”.
Por fim, vale reforçar que a longevidade da propaganda da PEPSI está associada, para além de seus elementos semióticos intrínsecos, a um contexto competitivo de grande rivalidade entre marcas que possuem awareness de elevado nível. Em outras palavras, uma briga de gigantes com forças em equilíbrio. Ouso afirmar categoricamente que caso alguma marca de refrigerantes “guerrilheira” decidisse fazer algo semelhante com a COCA ou a PEPSI, seria sumariamente ignorada, desprezada ou desconsiderada.
Falar da concorrência é, antes de tudo, promover a concorrência. Quando o contexto envolve marcas de potência mercadológica semelhante, ambas saem ganhando. Quando se trata de uma batalha entre Davi e Golias, é mais prudente que o gigante nem se disponha a entrar na briga, pois estará colocando em risco sua imagem de superioridade, pelo menos por um certo tempo.
Ricardo Poli é professor, palestrante, provocador, piadista e colunista da BRING ME DATA.
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As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.