Em agosto de 2024, ocorreu o SET EXPO 2024 no Anhembi, na cidade de São Paulo. O evento contou com várias participações, incluindo representantes da TV Globo, que trouxeram insights extremamente interessantes sobre o que vem sendo chamado de TV 3.0.
É notório que assistir à televisão tem se tornado cada vez menos frequente nos lares brasileiros, o que tem forçado as empresas de mídia, tanto as tradicionais como as TVs abertas – como Globo, SBT e Band – a se reinventarem, trazendo novos modelos de negócios e outros projetos. Um exemplo disso é o crescimento das casas de apostas, que se tornaram os principais anunciantes da TV nos últimos anos. As emissoras têm fechado parcerias para montar suas próprias casas de apostas, criando um novo modelo de negócios.
Segundo um estudo apresentado no evento, cerca de 33% das pessoas entrevistadas em uma pesquisa realizada pela TV Globo diminuíram significativamente o tempo dedicado a assistir televisão. Quem tem filhos adolescentes em casa sabe que eles assistem cada vez menos à TV. Desde a geração Y, a televisão tem se tornado quase um objeto decorativo na sala das residências.
Em 2015, o Google lançou uma pesquisa para o mercado publicitário brasileiro, indicando que a TV havia se tornado a “segunda tela”, perdendo espaço para o smartphone e, em seguida, para tablets, desktops e notebooks. Naquele ano, o Google já projetava que seria quase impossível para a TV retomar seu posto de primeira tela entre a população. Quase dez anos depois, o Google estava certo em suas previsões.
A diminuição do consumo de TV não significa que as pessoas estão consumindo menos conteúdo; pelo contrário, elas estão consumindo mais, mas em diversas plataformas, como sites, podcasts, redes sociais, blogs e vídeos no YouTube. Esse fenômeno de vídeos curtos é evidente em plataformas como Reels no Instagram, Shorts no YouTube, o fenômeno do TikTok, e mais recentemente, o LinkedIn, que lançou sua plataforma de vídeo.
O estudo da Globo apontou que 52% das pessoas gastam, no mínimo, seis minutos para encontrar algo novo para assistir. Isso está relacionado ao conceito de hiper-escolha, onde há tantas opções que fica difícil decidir o que ver.
Ao entrar, por exemplo, no YouTube para assistir a um programa favorito, a quantidade de conteúdos sugeridos pelo algoritmo é tão vasta que, muitas vezes, as pessoas acabam não assistindo ao que estavam procurando, sendo atraídas por outros conteúdos. Esse fenômeno também impacta o tempo dos vídeos, pois as pessoas querem absorver tudo de uma vez, o que é impossível.
Não é à toa que as plataformas estão direcionando seus conteúdos para vídeos curtos e diretos. O TikTok é um grande exemplo disso, tendo se tornado um fenômeno por meio desse formato. As marcas precisam aprender com essa plataforma e usar essa linguagem com maestria. Um outro fator que comprova essa teoria são os cortes, que se tornaram os maiores geradores de audiência para podcasts.
O próprio conceito de podcast é um fenômeno da internet que precisa ser estudado. A pesquisa apresentada aponta que 80% das pessoas consideram o conteúdo gerado por usuários tão ou mais divertido do que a mídia tradicional. Isso significa que um podcast feito na garagem da casa do apresentador, como o “Inteligência Ltda.”, é considerado tão bom e divertido quanto um programa da TV Globo, ainda a maior emissora do país.
A TV 3.0 é uma realidade cada vez mais próxima do brasileiro. Ela promete gerar comunidades que assistirão a conteúdos juntos, mas de forma online, algo muito semelhante ao que as crianças fazem ao jogar Roblox, onde cada uma está em sua casa, mas todas interagem entre si através de um conteúdo comum.
O conceito de comunidade online, debatido pelo Facebook desde 2017 no Brasil, vem ganhando força no dia a dia de quem trabalha com marketing digital, pois essas comunidades têm um grande poder de convencimento na jornada cada vez mais complexa do consumo.
Segundo dados da Kantar, aproximadamente 25,7% das pessoas já consomem vídeos online no Brasil, enquanto 74,3% ainda consomem TV aberta. No entanto, como mencionado, esse número de espectadores de TV aberta tem caído, e o principal responsável é a internet, há tempos a grande “inimiga” da TV aberta.
Quando a TV digital ganhou força no Brasil, especulava-se sobre as vendas online através da televisão. Um exemplo dado com frequência em palestras e artigos era o futebol. As pessoas poderiam estar assistindo a um jogo, como São Paulo x Palmeiras, e, através do controle remoto, se conectar a uma loja virtual para comprar a camisa do seu time favorito.
Com a nova versão da TV, a 3.0, os consumidores assistirão à TV logados, assim como fazem no YouTube ou em suas redes sociais favoritas, cerca de 51% das TV ativas no Brasil já estão conectadas a internet.
Para quem trabalha com dados e estratégias, isso soa como música, pois, a partir do momento em que o consumidor está logado, as plataformas têm acesso a todas as informações necessárias para realizar a venda one-to-one.
Melhorar a experiência do consumidor, com uma navegação mais fluida, é o que se espera da TV 3.0, é a interação que se falava desde a época da TV Digital, mas agora efetivamente ocorrendo. Esse conceito trará vantagens para a marca, entre elas uma hipersegmentação geográfica e a publicidade totalmente integrada com a venda de produtos, serviços e conteúdos em tempo real.
O T-commerce, ou e-commerce baseado na televisão, começa a ganhar enorme potencial ao ter acesso aos dados do consumidor para realizar uma venda direta. O são-paulino assistindo ao jogo não vai receber apenas uma promoção de uma camisa do time, mas também ofertas exclusivas de produtos que ele tenha considerado recentemente, como um livro, relógio ou óculos do tricolor paulista. E isso é apenas o começo do que o conceito de T-commerce pode fazer para o mercado da TV 3.0.
Isso abre o precedente para que a TV se torne uma plataforma de mídia de performance, tal como o Google e as redes sociais são hoje, com toda a segmentação que a internet possibilita para as marcas, agora dentro da TV aberta. A TV ainda tem uma penetração muito maior do que a internet nos lares brasileiros, e essa interatividade proporcionará às marcas um poder midiático de performance sem precedentes.
Um recurso muito utilizado no e-commerce é o conceito de “quem viu esse também viu aquele“. Ferramentas de inteligência cruzam dados de produtos e oferecem ao consumidor aqueles que têm mais aderência ao que ele está comprando no momento. Por exemplo, alguém que está navegando em um site vendo uma televisão pode ser impactado por uma oferta de um móvel para a sala onde a TV ficará. Essa tecnologia, baseada em comportamento, será transmitida para a TV, mas, em vez de trabalhar apenas com produtos, serão trabalhados conteúdos.
Uma pessoa pode estar assistindo ao jornal, e enquanto assiste, aparecem na parte inferior da tela três conteúdos com informações, como a previsão do tempo para o dia seguinte em sua cidade ou uma notícia sobre uma celebridade que ela tanto gosta. Como o consumidor estará logado, as plataformas terão acesso a todas as informações necessárias para oferecer o que, às vezes, nem estamos procurando, mas que em algum momento desejamos.
A TV 3.0 é uma realidade que mudará drasticamente o mundo da mídia. As TVs, como as conhecemos hoje, que ainda operam no modelo das décadas de 80 e 90, tendem a desaparecer. A internet não veio ao varejo a passeio; trata-se da maior revolução da comunicação de todos os tempos. Mesmo após mais de 20 anos de convivência com a internet, muitos gestores de marca ainda não perceberam isso, acreditando que a internet é apenas performance, ou que simplesmente replicar o conteúdo da TV no YouTube é inovador, quando na verdade não é.
Devemos estar atentos às tendências; elas surgem o tempo todo. Nem todas serão usadas no nosso dia a dia, nem todas se encaixarão com as marcas com as quais trabalhamos e nem todas poderão ser aplicadas no Brasil. Mas cabe ao bom estrategista estar sempre atento a elas, entendê-las e ver quais têm mais aderência ao segmento, mercado e empresas com as quais trabalhamos.
A internet é uma revolução tão grande no mundo da comunicação que, em 2021, poucas pessoas conheciam Casimiro. Em 2024, sua CazéTV tem dado muito mais dor de cabeça à TV Globo do que emissoras tradicionais como SBT e Rede Record. A CazéTV tem conquistado audiência em eventos esportivos, e o time de esportes da TV Globo, na ânsia de não perder audiência, tenta reproduzir o sucesso da CazéTV em suas transmissões esportivas, mas claro, ainda muito distante do sucesso da emissora que nasceu na internet.
Felipe Morais é Diretor da FM Consultoria em Planejamento, professor da ESPM e autor de diversos livros, como Planejamento Estratégico Digital.
As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.
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