A mais nova provocação que esse professor metido a colunista tem feito para seus alunos queridos: “Existem pirralhas (isso é carinhoso, acredite) com canais digitais especializados no uso de cosméticos e produtos de maquiagem com centenas de milhares de seguidores. Existem marcas cinquentonas (também é carinhoso) fabricantes de cosméticos e produtos de maquiagem, que sabem tudo que é possível saber a respeito deles, que não conseguem ter nem ao menos alguns milhares de seguidores em suas redes sociais”.
Imagem: Freepik
Isso posto, recentemente, foram divulgados e analisados os resultados de uma pesquisa no portal eletrônico de um tradicional veículo de comunicação tradicionalmente reconhecido pelo foco dedicado ao mundo da indústria relacionada a comunicação mercadológica. Em outras palavras, um jornal que já foi 100% “em papel”, hoje, tem sua versão eletrônica dedicada a assuntos relacionados a publicidade, propaganda, branding, tendências de marketing, anunciantes, profissionais do meio, além de outros tantos derivados desses.
A matéria gerou certa repercussão no universo do marketing em função da divulgação de seus resultados. E sim, o universo é o marketing, a comunicação, um de seus mundos. A pesquisa foi realizada pelo instituto Data-Makers, em parceria com a CDN, e teve como objeto central a relação entre marcas e influenciadores em ações de comunicação mercadológica digitais.
Não se faz prudente aqui se debruçar sobre a análise do mérito do processo de planejamento e execução da pesquisa, visto que seria necessário ter acesso à íntegra de seu relatório. Caso isso tivesse ocorrido, certamente se correria o risco da elaboração de um artigo para além dos limites permitidos pelas prodigiosas meninas da MACFOR. No entanto, se torna inevitável comentar a respeito da questão central que levou a apresentação dos resultados da referida pesquisa, bem como da análise decorrente interpretativa presente na reportagem, que deveria ter passado por revisão de Língua Portuguesa antes de sua divulgação.
Na tentativa de domar a rabugice inerente a esse velho professor de marketing, duas ex-alunas queridas foram convocadas a analisar a referida matéria como forma de contraponto, algo mais do que necessário nesse caso. Obviamente, considerei ambas como fontes colaborativas para elaboração dessa coluna, razão pela qual não revelarei suas identidades.
A primeira delas é uma renomada influenciadora, a segunda, uma agenciadora de influenciadores. Ambas, no cotidiano de suas atividades profissionais, têm contato direto com grandes marcas interessadas em fazer uso de influenciadores em seus processos de comunicação mercadológica. Isso posto, não vou me dedicar a replicar detalhadamente os resultados da pesquisa descritos na reportagem, algo que pode ser conhecido por meio de um clique no link destacado no segundo parágrafo desse texto.
Em tempo: a concepção inicial da pesquisa deveria ter considerado tais públicos, influenciadores e agentes, em seu processo de planejamento e execução. O resultado teria sido infinitamente mais eclético, denso e próximo daquilo que se determina como a realidade de um contexto. Ter à disposição uma boa ferramenta não exclui a obrigação de fazer uso dela da forma mais inteligente possível.
A questão central gira em torno do uso de influenciadores em ações de comunicação mercadológica dedicadas à potencialização do awareness de marcas, ao reforço (ou divulgação) de alguns de seus valores ou à venda de produtos ou serviços. Segundo a matéria, boa parte dos CMO´s de grandes marcas está frustrada com os resultados alcançados em ações desse tipo, bem como insatisfeitos em relação aos mecanismos de mensuração de seus resultados. Mesmo assim, segundo a pesquisa, cerca de 98% dos profissionais entrevistados pretendem aumentar ou manter investimentos dedicados a ações com influenciadores.
Diante dos resultados expressos na reportagem, bem como das considerações realizadas por minhas queridas ex-alunas, vale comentar algumas questões a partir da alquimia desses três ingredientes. Não se trata de buscar uma resposta definitiva diante da questão central descrita anteriormente, mas de pensar a respeito dela com prudência e astúcia, objetivando evoluir para além do status quo descrito na matéria do portal. Assim sendo…
1) O mundo mudou.
Os profissionais de marketing, mais especificamente aqueles ligados a processos de branding e comunicação, precisam entender que, por conta das mudanças do cenário tecnológico do microambiente, o consumo de produtos ou serviços passou a acontecer por meio de inúmeras trajetórias, ainda que se trate do mesmo consumidor. A oferta de produtos e serviços, bem como das possíveis interações com as marcas, hoje se efetivam por meios diversificados, em diversos momentos e concomitantemente às ações de seus concorrentes.
2) É preciso dominar aquilo que nunca muda…
Empresas detentoras de marcas parecem ter esquecido “aquilo que nunca muda”, ou seja, de que os fundamentos primordiais da gestão de marketing e comunicação permanecem os mesmos. A transformação digital trouxe apenas novos canais de comunicação e distribuição, além dos negócios eminentemente digitais. Influenciadores nada mais são do que colunistas de seus próprios canais de comunicação presentes nos mais variados meios digitais. Profissionais de comunicação digital que não dominam os pilares da administração de marketing pouco podem contribuir para gestão de branding, ainda que tenham considerável especialização para tal.
3) … para saber lidar com aquilo que sempre muda.
A somatória das considerações anteriores resulta numa dicotomia onde os novos profissionais de marketing, por vezes, negligenciam seus fundamentos imprescindíveis para elaboração e execução de campanhas de comunicação digital. Em contrapartida, profissionais com “rodagem” profissional considerável ainda não entenderam, de forma plena, a dinâmica do impacto digital nos hábitos de consumo de pessoas físicas ou jurídicas.
4) Nem tudo, ou quase nada, é metrificável.
Mais do que óbvio, o uso de influenciadores não pode ser encarado como um artifício de moda ou uma tendência da comunicação de marketing. Ações de comunicação com influenciadores não são herméticas e, inevitavelmente, possuem (ou deveriam possuir) “vasos comunicantes” como todas as ações de comunicação de uma marca. O mesmo pressuposto vale para os processos de metrificação que, no caso das ações com influenciadores, não podem ter um fim em si mesmo. Considerar somente a quantidade de likes, seguidores e interações como métrica principal para concepção ou avaliação de uma determinada ação de marketing é algo imaturo, amador e pouco inteligente. Comunicação ligada a branding é uma aposta.
5) Influenciador é da marca ou a marca é do influenciador?
A escolha de um determinado influenciador a ser associado a uma marca, seja qual for o objetivo e a ação mercadológica em questão, pressupõe, antes de tudo, a existência de um projeto de marca consistente. Caso contrário, tal ação não deveria existir. Influenciadores são apenas mais uma peça de um quebra-cabeça intitulado “comunicação 360º”. Sua escolha deve ser resultado de um processo prévio de pesquisa e, de preferência, de pré-testes bem formulados. Resultados serão mais efetivos quando se tiver a predisposição em estabelecer relações históricas constantes com influenciadores. Somente dessa forma surgirá o tão desejado e efetivo endosso.
6) Marcas influenciadoras e influenciadores marcas.
Nada mais notório do que esse fenômeno no mundo digital atualmente. Influenciadores são efetivamente pessoas e marcas são eminentemente um conjunto de ideias. O ponto de intersecção entre ambos são seus ideais. Influenciadores precisam se aprimorar a respeito dos fundamentos de marketing e branding para entender e atender melhor os anseios de suas possíveis marcas clientes. Marcas precisam evoluir na compreensão da dinâmica intrínseca do poder de comunicação dos influenciadores. Manuais de branding e briefings de campanhas de comunicação não podem ser algemas para o exercício da autenticidade orgânica dos influenciadores, caso contrário, eles se tornarão somente mascotes ou “garotos(as) propaganda” da marca.
Muito ainda poderia ser escrito a respeito dessa nova “modalidade” de comunicação. Nova por ser digital e envolver um stakeholder até então inexistente. Não tão nova por se tratar de algo muito parecido com a relação estabelecida entre fabricantes de produtos alimentícios e os protagonistas dos programas matutinos ou vespertinos de culinária.
Nas redes sociais, cada vez mais, marcas precisam tentar se tornar pessoas, e influenciadores precisam tentar se tornar marcas. Tudo na justa medida daquilo que é possível e prudente. Como provocação final, fica a frase de Carlos Gil em seu livro “O Fim do Marketing”, lido e comentado por esse que te escreve aqui: “Não existe nada que um influenciador possa fazer por uma marca que ela mesma não possa fazer por si mesma. Afinal, ambos têm as mesmas ferramentas à disposição”.
Em teoria: sim!
Na prática: será mesmo?
Ricardo Poli é professor, palestrante, provocador, piadista e colunista da BRING ME DATA.
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As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.