Os acidentais leitores e leitoras dessa coluna, com toda certeza que pode existir, se depararam como o embate midiático entre o “Agro brasileiro” e a “Danone francesa”. Algo inevitável até mesmo para quem não está acostumado ao desfrute de iogurtes saborosos ou de picanhas suculentas. Como é costume desse escrevinhador metido a colunista em relação a assuntos desse tipo, é preferível (e mais sensato) elaborar comentários depois que a poeira cósmica estiver minimamente repousada no universo. Nesse caso, vale a prudência do velho ditado “a pressa é inimiga da perfeição”.
Em tempo: não espere uma coluna perfeita, longe disso…
Como já era esperado, uma avalanche tortuosa de comentadores digitais rápidos, afoitos e imprudentes fizeram questão de marcar posição frente ao imbróglio “franco-brasileiro”, ainda que isso não fizesse a mínima diferença para as partes envolvidas. Mais uma vez o mundo digital foi extremamente previsível, gerando colunas e comentários que mais parecem originados de blogs de torcidas organizadas dos maiores times de futebol do país. Pensamentos bidimensionais que ora pendem para um ou outro lado do conflito. Tempos difíceis.
Chega a ser, para além do óbvio, que a referida questão é mais complexa do que se imagina. Talvez seja por conta disso que as implacáveis meninas da MACFOR sugeriram que esse velho professor de marketing rabugento abordasse o tema. Pelo visto, elas são mais otimistas do que eu em relação à elaboração dessa coluna dessa semanal. Após estudar minimamente o assunto, tendo como foco principal as publicações da REUTERS e do Globo Rural no G1, ouso jogar aos ventos digitais as seguintes considerações:
1) O “agro” é uma indústria, mas parece que ainda não descobriu isso.
O “agro”, seja lá o que isso signifique, nunca foi tão falado e comentado em tempos atuais nos mais variados contextos. Do mundo dos negócios ao mundo da política, passando por todos os mundos existentes entre esses dois. Ora para o bem, ora para mal, muitas vezes de forma equivocada em ambos os casos. Arrisco afirmar que a célebre campanha do “Agro é pop, Agro é tech, Agro é tudo” foi o marco inicial “imagético” desse fenômeno. Em poucas e rasas palavras, o “agro” está na boca do povo – literalmente – mais do que nunca.
O que sempre instigou a mente desse que vos escreve é aquilo que se concebe por “agro”. Ao que me parece, as campanhas de propaganda e os esforços de publicidade dessa indústria acabaram por criar uma imagem institucional atrelada somente aos grandes produtores agrícolas e pecuaristas. Como são os partícipes com maior poder de investimento em processos de marketing, acaba sendo lógico o entendimento dessa percepção “coletiva” atual. Minha pouca, mas intensa vivência, justamente pela “porta dos fundos” dessa indústria, me levou a constatar que existem grandes equívocos de percepção a respeito daquilo que se entende por “agro”.
O “agro” é uma indústria complexa, extremamente heterogênea por essência, que carrega a reboque uma série de outras indústrias. Chega-se a ter hoje cursos direcionados a palestrantes que pretendem conquistar o mundo do “agro”. A empresa dona desse blog, dedicada a potencialização de processos de presença digital e “growth marketing”, tem clientes dessa indústria e até um podcast dedicado a ela.
Recentemente, executei trabalhos de “branding estratégico” para uma startup de análises microbiológicas do solo e uma prestadora de serviços de performance de rentabilidade para produtores agrícolas, além de palestra direcionada a uma empresa de tecnologia muito conhecida e dedicada ao “agro”. Direta ou indiretamente, todas essas aqui citadas pertencem a indústria do “agro”. Até mesmo a humilde Polinizar Ltda.
Em tempo: para além disso, vale lembrar de todos os fornecedores diretos e indiretos ligados a essa indústria, dos fabricantes de insumos, passando pelos fabricantes de equipamentos e prestadores de serviço, chegando aos bancos e financiadores, geralmente localizados a milhares de quilômetros de seus clientes.
Em se tratando de produtores agrícolas e pecuaristas, a indústria é bem mais heterogênea do que se pode constatar, a princípio. Afinal, tais produtores existem nos mais variados portes, tipos de culturas e localização. Isso por si só é algo complexo, que leva naturalmente a questionar se é possível afirmar que o “agro” é isso ou aquilo. Levando-se em conta os critérios mínimos de “pertencimento” a um determinado setor, pode-se afirmar que o maior produtor de arroz orgânico do país pertence a essa indústria, não? Em outras palavras, quando se menciona “o agro”, seja qual for a circunstância, vale perguntar: “Qual agro?”.
Em vista disso, e de outras muitas questões não expressas aqui, ouso afirmar que o tom da reação institucional da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (APROSOJA) em relação ao pronunciamento do diretor financeiro da Danone Global foi, de certa forma, precipitado e pouco astuto. Como se trata de um posicionamento institucional, está envolvida aí uma questão relativa à relações públicas. Logo, de marketing, especificamente de marketing institucional.
E marketing, antes de tudo, é uma batalha de percepções. Nesse caso, ficou a percepção, para uma significativa quantidade de pessoas, daquilo que popularmente se conhece como “a carapuça serviu”. Como diria minha falecida avó, “o bom bode não berra na hora”. Faltou perspicácia na reação impetrada pela referida instituição.
A sustentabilidade, ainda que recheada de concepções legítimas e ilegítimas, é uma questão inevitável para indústria do “agro” em seus mais variados níveis. Essa indústria ainda não aprendeu a lidar com essa questão de forma conveniente e estratégica a favor de si mesma. Em outras palavras, ainda não entendeu como “jogar o jogo” da percepção de sua imagem institucional.
A devastação das florestas não é mais somente uma questão ecológica, mas também uma questão econômica. A floresta em pé é muito mais rentável do que a floresta devastada. Uma boa parte da indústria dos cosméticos já descobriu isso há tempos. Não são requeridos muitos esforços intelectuais para se entender essa questão. Boa parte do dito “agro” já a entendeu e age em favor dela. No entanto, poucas pessoas sabem disso…
2) A frágil sustentabilidade mercadológica dos produtos da Danone.
O diretor financeiro da Danone Global realmente foi o grande protagonista de todo esse furdúncio institucional. Acabou por criar um grande problema para o presidente da Danone Brasil, que foi obrigado a ligar para o presidente da APROSOJA e dizer: “Não é bem assim…”. Por conta do pronunciamento do presidente dessa instituição, o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) também foi obrigado a se pronunciar a favor da “agro-indústria” nacional e questionar as decisões monocráticas em relação à lei antidesmatamento da União Europeia (EUDR, em inglês). Em outras palavras, como se diz entre meus jovens alunos, o cara “causou”. Seu pronunciamento gerou um baita efeito cascata, a ponto de ter desdobramentos diplomáticos.
No final das contas, trata-se de um jogo de pressões que parte da EU e vem acabar aqui em terras tupiniquins, certamente desfavorecendo mais os pequenos e médios produtores agrícolas e pecuaristas. Isso posto, e ainda que a pressão seja grande em relação a Danone, ouso afirmar que o pronunciamento institucional do referido diretor global a REUTERS foi carente de astúcia, perspicácia e inteligência.
Trata-se de uma afirmação onde facilmente se constata o aroma de temperos que remetem a uma velha concepção colonialista do mundo que vivemos. Jurgen Esser sabe que está bem lastreado pela potência da marca institucional que estampa “seus” mais diversos produtos. No entanto, parece ter esquecido que fornecedores de longa data são, antes de tudo, parceiros de negócios.
Sabe também que qualquer boicote impetrado por consumidores finais brasileiros aos produtos da Danone não vai afetar o desempenho mercadológico de qualquer um de “seus” produtos. Afinal, trata-se de uma marca sinônimo de categoria quando se fala iogurtes. No entanto, tal marca já não veleja sozinha como outrora em mares brasileiros. Fico curioso em saber como Nestlé e Unilever irão se aproveitar desse imbróglio para alancar suas respectivas imagens institucionais.
Danoninho nunca valeu por um bifinho. Essa mensagem chegou a ser proibida nas propagandas desse produto. Activia foi uma das maiores ilusões vendidas a consumidores finais. Suas campanhas publicitárias foram proibidas aqui e em muitos países mundo afora. O mesmo ocorreu em relação a água Bonafont. Danone perdeu um processo contra a Minalba pelo uso do termo “ph alcalino”, alegando que suas vendas tiveram queda significativa por conta do uso desses termos pela fabricante brasileira. Danone, em 2017, foi obrigada a pagar multa ao PROCON do Paraná por ocorrência de propaganda abusiva infantil em ação movida por mães incomodadas e conscientes de lá.
Ao que tudo indica, por essas e outras, que Danone é pouco rigorosa em relação a sustentabilidade mercadológica de seus produtos, não é mesmo? Isso me lembra uma outra frase de minha querida avó: “Faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço.”
3) Por fim…
Fiquemos atentos aos desdobramentos dessa fatídica novela. Muitas “forças ocultas” agem sobre essa questão. Se a posição da Danone permanecer, acredito que o “agro” da soja rapidamente saberá contornar essa encruzilhada. Afinal, os chineses estão de braços abertos para comprar a soja brasileira. E por falar neles, vale lembrar que o maior importador de soja brasileira é justamente um dos maiores transformadores dessa oleaginosa em subprodutos que são vendidos para a Danone.
Fica aqui uma provocação ao “agro”: talvez seja melhor exportar subprodutos do que soja. Certamente, trata-se de um negócio muito mais rentável.
Para a Danone, outra provocação: pelo visto a soja brasileira continuará presente em vários “danones” como sempre esteve.
Até semana que vem…
Ricardo Poli é professor, palestrante, provocador, piadista e colunista da BRING ME DATA.
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As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.