Junho também é conhecido como o Mês do Orgulho LGBTQIAPN+ e tem sido um período para refletir sobre a luta por direitos e visibilidade dessa comunidade.
Durante o mês, muitas empresas costumam lançar campanhas e ações de marketing para mostrar o apoio à causa. Contudo, nos últimos anos, um fenômeno tem ocorrido e deixado a comunidade em alerta: a drástica redução no número de campanhas para o Mês do Orgulho LGBTQIAPN+, principalmente no Brasil.
O que explica esse movimento no mercado? Vamos explorar as razões por trás desse recuo no engajamento corporativo.
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O que mudou no Mês do Orgulho LGBTQIAPN+ no Brasil
O mês do orgulho tem sido uma oportunidade para as empresas mostrarem seu compromisso com a causa LGBTQIAPN+, tanto por questões éticas quanto estratégicas.
A visibilidade e o apelo do chamado “pink money”, o poder de consumo da comunidade LGBT+, têm sido um atrativo para marcas que buscam atingir um público diversificado e engajado.
No entanto, especialistas apontam que o cenário no Brasil começou a mudar antes da ascensão de governos mais conservadores como o de de Donald Trump nos Estados Unidos, que gerou uma onda de recuo em diversas políticas de diversidade e inclusão.
Fátima Pissarra, CEO da agência de marketing de influência Mynd, observa que o ano de 2022, durante o período eleitoral presidencial, foi um marco dessa mudança. A polarização política no Brasil fez com que o apoio à causa LGBTQIAPN+ fosse visto, por alguns, como um posicionamento político arriscado, o que gerou crises recorrentes para as marcas.
A consequência disso foi uma cautela maior por parte das empresas, especialmente nas redes sociais, onde as reações do público podem ser intensas.
A redução nas campanhas LGBTQIAPN+
Uma das áreas mais afetadas por essa redução foi a contratação de influenciadores LGBTQIAPN+ para campanhas.
Pepita, cantora e dançarina trans e influenciadora, relatou que no mês do orgulho de anos anteriores chegava a fazer até 17 campanhas de influência durante o mês de junho. Neste ano, ela fechou apenas um contrato. “O posicionamento que eu tenho, de ser muito militante, pode fazer com que eu não me encaixe mais nas marcas”, explica.
Além de Pepita, artistas como Pabllo Vittar também sofreram com a diminuição de campanhas: de 20 ações para qual era contratada, em 2025 também só foi chamada para uma do mês do orgulho.
Segundo Pissarra, a contratação de influenciadores da comunidade LGBTQIAPN+ caiu cerca de 90% nos últimos três anos. Enquanto antes, cantores e influenciadores como Pabllo Vittar faziam de 15 a 20 campanhas em junho, agora o número ficou reduzido a uma ou duas.
Efeitos no mercado LGBT+
A preocupação com a polarização política não afeta apenas o Brasil. Com o clima político global cada vez mais dividido, as marcas, antes bem-intencionadas, passaram a repensar suas ações.
Muitos executivos do setor de marketing e influência alegam que as ações durante o mês do orgulho, principalmente nas redes sociais, têm sido vistas como politicamente carregadas, o que desencadeia uma reação negativa de consumidores.
Ricardo Sales, CEO da consultoria Mais Diversidade, aponta que muitas empresas têm feito uma “leitura precária de contexto” ao importar questões internacionais sem a devida adaptação à realidade brasileira.
No Brasil, o apoio à causa LGBTQIAP+ tem sido crescente, com a maioria da população favorável ao casamento homoafetivo, mas a polarização política fez com que as empresas hesitassem em apoiar diretamente a comunidade, temendo serem acusadas de politização.
Ações de marketing da Parada de Orgulho LGBT+ de São Paulo
O evento mais emblemático do mês do orgulho no Brasil, a Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo, não escapou dessa queda nos investimentos.
Nelson Matias Pereira, presidente da parada, revelou que, embora algumas empresas tenham saído, outras entraram para cobrir os espaços deixados. Porém, o valor dos patrocínios diminuiu. As cotas de patrocínio, que antes chegavam a R$3 milhões, raramente são alcançadas hoje em dia.
A Parada, que custa cerca de R$7 milhões para a organização, ainda depende de um número restrito de grandes patrocinadores. Marcas como Doritos, Burger King e Uber, que anteriormente faziam campanhas de grande visibilidade, já reduziram ou eliminaram seu apoio à parada em 2025.
A primeira Parada LGBT+ da história foi em 1997 e reuniu apenas 2 mil pessoas na Avenida Paulista. O evento só começou a receber patrocínio de marcas 10 anos mais tarde em 2007, que foi das marcas Smirnoff Ice, o energético Flash Power e as sandálias Goóc, alem dos apoios estatais da Petrobrás e da Caixa Econômica Federal.
Em 2025, as principais marcas apoiadoras da 29ª parada do Orgulho LGBTQIAPN+ são: Amstel, Sephora, L’Oréal, Burger King, Sympla, Zurich, Philips Morris.
Apesar da retração de muitas empresas, algumas ainda mantêm um compromisso sólido com a causa. O grupo L’Oréal, por exemplo, decidiu ir na contramão da tendência de recuo. Eduardo Paiva, diretor de diversidade do grupo no Brasil, reafirma que a marca tem compromisso com a causa LGBTQIAPN+ durante todo o ano, e não apenas em junho.
O L’Oréal Paris, além de patrocinar a Parada, está também investindo em campanhas para conscientizar sobre o combate ao assédio nas ruas, promovendo influenciadoras como Pepita e Gabi Loran.
Outras marcas tradicionais, como Smirnoff e Amstel, continuam presentes no evento, reforçando seu compromisso com a comunidade. A presença dessas marcas sinaliza que, embora o número de patrocinadores tenha diminuído, ainda há empresas que entendem a importância de uma parceria contínua e genuína com o movimento LGBTQIAP+.
O futuro das campanhas LGBTQIAPN+ nas empresas
O recuo nas campanhas durante o mês do orgulho LGBTQIAPN+ indica um cenário de cautela no mercado, impulsionado pela polarização política. Embora as marcas estejam repensando suas estratégias, as empresas que continuarem a apoiar a causa de forma genuína e consistente terão um diferencial competitivo.
Para além de um mês, a diversidade deve ser integrada como uma prioridade estratégica ao longo de todo o ano.
As marcas que abraçam a causa com autenticidade, evitando ações superficiais ou voltadas apenas para questões políticas, podem reduzir o risco de polêmicas e se posicionar de forma significativa no mercado.
O Mês do Orgulho, mais do que nunca, precisa ser tratado como uma oportunidade de conscientização e mudança real, e não como uma simples ação de marketing sazonal.