Sem tempo de ter tempo
Mais uma vez, as meninas da Macfor lançaram um desafio “cascudo” para esse velho professor de marketing rabugento, a dita “pauta da semana”.
Foram indicadas duas referências de um assunto que gira em torno dos hábitos de consumo e sua relação com a demografia de gerações. A primeira referência vem de uma matéria publicada no NY Post e a segunda de uma plataforma chamada Digiday. Em ambos os casos, vale a leitura.
“Valer a leitura” pode ser encarado, nesses dois casos em específico, como uma experiência de aprendizado para o mal e para o bem, respectivamente. A primeira matéria chega a ser perigosa no que tange a seu potencial de gerar conclusões e decisões equivocadas. Me faz recordar daqueles discursos de paraninfos de formatura que se preocupam exclusivamente em dizer aquilo que as pessoas querem ouvir e ser ovacionado por isso.
Eu sempre suspeitei que, cedo ou tarde, o assunto “geração + alguma letra do final do alfabeto” seria a questão central de alguma pauta por aqui. Já havia aparecido antes de forma secundária, o que permitiu esquivar-me desse assunto.
Dessa vez, se tornou inevitável, visto que a primeira matéria supracitada é mais uma daquelas que associam pessoas que nasceram em uma determina época com seus hábitos de consumo e comportamento, buscando uma generalização padronizada muito utilizada para justificar a elaboração de planos de marketing ou campanhas publicitárias relacionados a bens de consumo, serviços, eventos, dentre muitos outros.
Confesso que sempre me incomodou esse movimento “determinista” de enquadramento de pessoas em segmentos de mercado que vinculam o período de nascimento (demográfico) e os hábitos de consumo (comportamental e psicográfico). Se trata de algo como uma fórmula mágica, como se somente o período de nascimento de uma “determinada” pessoa fosse o suficiente para “determinar” todos os seus hábitos de consumo.
Deixam de ser considerados outros critérios de segmentação que podem ser “determinantes” para identificação de outros subsegmentos dentro daquele que leva em conta a geração de “determinado” indivíduo.
Hábitos de consumo das diferentes gerações
Pensemos o seguinte: seriam os hábitos de consumo e comportamento idênticos para pessoas que nasceram em determinada época, mas que estão inseridas em famílias de poder aquisitivo totalmente díspares?
Os hábitos de consumo da “geração + letra” seriam idênticos para pessoas que nasceram em países como Estados Unidos e África do Sul? Seriam idênticos para pessoas que nasceram em cada um dos estados brasileiros? Seriam idênticos para pessoas que nasceram e viveram boa parte de suas vidas em bairros diferentes da cidade de São Paulo?
Para os paulistanos especificamente: o jovem de Itaquera possui hábitos de consumo e comportamento idênticos ao jovem da Vila Nova Conceição? Acho que não e isso serve para as outras perguntas anteriores.
Entretanto, acredito que alguns hábitos e comportamentos podem ser, sim, idênticos. Mas isso é muito mais exceção do que regra em termos de realidade. Se trata de uma regra em situações específicas e muito bem determinadas, algo bem diferente daquilo que foi descrito na matéria do NY Post.
A pesquisa sobre os comportamentos de consumo
A começar pelo processo de amostragem descrito na matéria. 500 pessoas? É isso mesmo? A estratificação foi somente a “paixão por esporte”? É isso mesmo? Detalhe: 500 pessoas que representavam três gerações diferentes! É isso mesmo? Como foi garantida a aleatoriedade nesse processo de amostragem?
O processo de pesquisa descrito na matéria, bem como suas conclusões mercadológicas, chegam a ser irresponsáveis tamanha a “generalização extrapolada”.
E a grande conclusão é: “há uma mudança drástica na forma como o grupo demográfico mais jovem está interagindo e consumindo conteúdo esportivo”. Jura mesmo? E precisa fazer pesquisa para chegar a essa conclusão?
Acredito que isso tenha ocorrido com outras gerações em função da evolução dos recursos tecnológicos envolvidos nesse hábito de consumo em específico. Em outras palavras, a frase acima serviria da mesma maneira para gerações relacionadas diretamente ao surgimento do rádio e das transmissões televisivas em casa ou em bares.
Obviamente, a presença dos smartphones na vida das pessoas transformou muito de seus hábitos. E quando se pertence a uma geração que já nasce com a presença desse brinquedinho, o impacto é ainda maior. Isso está associado à forma de consumo de conteúdo que a internet trouxe às nossas vidas: curto, com recursos visuais cada vez mais sofisticados e sempre comentado.
A segunda grande observação da matéria do NY Post: “para realmente manter esses fãs engajados, as emissoras devem adaptar seu conteúdo aos hábitos de visualização da geração mais jovem.” É preciso fazer pesquisa para chegar a essa conclusão? Acredito que não. Basta estudar o mundo e ficar atento às suas mudanças, como deve ter feito a Hang Media, como descrito na segunda matéria supracitada.
Nesse caso, uma matéria que não requer grandes questionamentos, visto que descreve uma iniciativa de negócio muito bem construída a partir daquilo que se observou em termos de comportamento e hábito de consumo de uma determinada geração.
O mais interessante é que a proposta dessa iniciativa faz com que pessoas das mais novas gerações permaneçam conectadas por longos períodos a um determinado evento esportivo. Mudanças de hábito podem ser incentivadas, desde que se ofereça algo que não se espera para as pessoas.
Em tempo: a estrutura fundamental da iniciativa da Hang Media não é uma grande novidade, mas a forma como foi concebida é extremamente inteligente. Não vai demorar para que alguém traga esse mesmo formato para o Brasil. Alguns modelos de transmissão de eventos esportivos por aqui já estão bem próximos disso.
Se o acidental leitor chegou até essa linha em sua leitura, fica aqui o meu agradecimento. Você já deve estar se acostumando com a rabugice desse professor, cujos discursos de formatura (não foram poucos) não se preocuparam com aquilo que as pessoas queriam ouvir, mas muito mais com aquilo que elas precisavam ouvir.
Ricardo Poli é professor, palestrante, provocador, piadista e colunista da BRING ME DATA.
Cadastre-se para receber a BRING ME DATA toda segunda para não perder as principais novidades e tendências do mercado com opiniões de grandes especialistas.
As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.