Magalu e Nestlé: um encontro inesperado e nada humano
“Acreditar que avatares humanizam marcas é um dos maiores absurdos que li ultimamente. O processo é exatamente o inverso.” Esse foi o primeiro pensamento surgido na mente desse velho professor de marketing rabugento ao ler as matérias indicadas pelas meninas da Macfor a respeito da ação de co-branding entre a Magazine Luiza e a Nestlé, mais especificamente em relação ao seu icônico Leite Moça.
Nada mais do que uma ação de co-branding, nada além disso. Os comentários a respeito nem se dão ao trabalho de especificar o tipo de ação mercadológica em questão, além de citar pérolas como “Lu do Magalu, a avatar mais influente do mundo”. É isso mesmo? Baseado em que se chegou a essa conclusão? Que pesquisa determinou isso?
Ao que tudo indica, deve ter influenciado para o lado mal, visto o desempenho financeiro recente dessa rede de varejo.
Humanização se dá por meio de seres humanos.
E avatares não são seres humanos, que fique bem claro. Ouso arriscar que a ação da Nestlé se dá por forte influência de uma necessidade de se tornar mais moderna e “palatável” às gerações mais recentes. Afinal, a figura clássica do rótulo já deve estar bem velhinha ou ter partido dessa para melhor. Plenamente justificável para uma adequação aos tempos modernos, mas não para justificar a humanização da marca.
A maioria dos colunistas descreve a ação com uma “profunda admiração” pela marca do referido produto e de seu famoso fabricante. Apelam até mesmo para argumentos “moderninhos” relacionados à sustentabilidade pelo reuso da lata, coisa que minha avó já fazia antes mesmo do meu nascimento.
Além desse, outros argumentos estarrecedores enfatizam coisas como “os laços afetivos com a marca”, que agora vão ser estabelecidos por meio de um avatar. Tais laços já existem há mais de um século, visto que a marca “Leite Moça” fez 100 anos em 2021.
Enfim, nada além do esperado. Entretanto, vale ressaltar aqui que ações mais significativas dessa marca, nos últimos dez anos, tiveram como foco um aspecto específico: a embalagem.
Os acidentais leitores mais atentos devem se lembrar da embalagem da lata “afunilada” na parte superior (ela ainda existe?), do lançamento da embalagem em caixinha ou em sachê plástico parecendo sabonete líquido, dentre outras formas de tentativa de modernização da marca, ou de se fazer notícia.
Em todos esses casos, a embalagem primária foi o foco da mudança, como é fácil de se constatar. Em outras campanhas, o foco se deu na embalagem secundária. A campanha de 100 anos da marca estampou ilustrações de “mulheres reais” nos rótulos das latas em substituição à tradicional camponesa suiça, o que gerou um furdunço nas redes sociais, seguindo a lógica do que já escrevi aqui nas colunas anteriores.
Pois bem, o grande desafio para a marca Leite Moça é algo complexo, visto que o produto é “imexível”. Todas as tentativas de mudança de qualquer aspecto organoléptico do produto foi sempre um problema. Novos itens adicionados ao portfólio da marca, com sabores e apelos de composição diferentes, não sobreviveram por muito tempo. Assim sendo, o que resta a ser “mexido” é tudo aquilo que está para além da densa e suculenta mistura de açúcar e leite. E muitas vezes, isso é visto como uma forma de modernização ou, o que é pior, como inovação.
Na verdade, é preciso “parecer ser” moderno e inovador. Essa é a lógica essencial da coisa toda.
Alguém aí arriscaria mudar a caneta BIC? A versão básica do OMO (aquela do splash vermelha, azul e branco) mudou? Novas versões foram adicionadas ao portfólio, mas a clássica nunca deixou de existir e ser a mais vendida.
Há quanto tempo “as hastes flexíveis com pontas de algodão”, vulgo cotonetes, assim o são? Vale o mesmo raciocínio para o icônico Chanel Nº5, não? Ou alguém acha que seu odor deve ser alterado?
Quando as transformações de embalagem, ou adição de itens de versão modificada, chegam a um limite, o que resta a fazer é a transformação no processo de comunicação para além da embalagem. Afinal, a comunicação de um produto é o próprio produto, assim como a embalagem é também uma ferramenta de comunicação.
Por fim, pode-se afirmar que a recente ação de co-branding nada mais é do que uma tentativa de atualização de percepção de marca na mente das pessoas. Pessoas que a Nestlé definiu como interessantes em função de sua estratégia de produto e branding. Nada além disso. Justificável e entendível.
Mas não se trata da construção de uma percepção que visa humanização, longe disso. Isso só poderia acontecer por meio do uso de seres humanos, o que poderia ser até muito mais barato.
Ricardo Poli é professor, palestrante, provocador, piadista e colunista da BRING ME DATA.
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As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.