Geração Z: qual delas?
Eis-me aqui novamente sendo desafiado pelas meninas da Macfor a escrever sobre a Geração Z. Tento acreditar que não se trata de uma provocação, mas fica uma pontinha de dúvida. Se assim for, ouso acreditar que fazer provocações instigantes à geração desse velho professor de marketing rabugento seja uma característica marcante da geração Z, ou dos millennials, aos quais as meninas pertencem.
Consequentemente, a tentativa de ironia e sarcasmo desse colunista cresce de forma exponencial e se faz inevitável. Estarei eu sendo manipulado? Não vou mover esforços em busca dessa resposta, mas sim tentar responder à provocação da forma mais azeda possível. Azeda, mas consistente, que fique claro.
Pois bem, o grande incômodo gerado em minha mente “mercadológica” reside no fato da criação do termo “geração + letra & afins” com intuito de caracterizar uma série de hábitos e práticas comportamentais de um grupo de pessoas específico somente em função do período histórico que nasceram.
Confesso que isso me enerva deveras. Em termos de marketing, me parece ser um retrocesso. Basta estabelecer o período histórico de nascimento que tudo se torna homogêneo e previsível nesse segmento de mercado?
Nesse contexto em específico, trata-se da utilização de um critério de segmentação dos mais simplórios para caracterização dele. Em outras palavras, o critério da idade pode dizer alguma coisa, mas não muito.
Critérios de ordem comportamental e psicográfica podem dizer muito mais, obviamente. O problema está em indexar todos esses critérios. Pior ainda é estabelecer tendências a partir disso. Sei que isso ajuda a vida de muitos profissionais de marketing na conquista de seus bônus, mas é algo muito arriscado.
Previsão ou estabelecimento de tendências virou um ótimo negócio para muitas empresas e, quem diria, para muitos professores (por que não pensei nisso antes?). Particularmente, enxergo esse fenômeno como um processo de previsão meteorológica” contínuo e sem fim.
Erram-se previsões, mas sem problema. Sempre existe uma variável incontrolável que surgiu quando menos se esperava e mudou tudo. Ajusta-se a previsão, adequa-se a mesma à realidade já existente e parte-se para a próxima. Algo como uma espiral sem fim. E muito lucrativa.
Por sinal, quantas das “previsões previstas” se efetivaram de forma real e concreta exatamente como foram concebidas no início da pandemia? Eu tenho aqui uma coleção de documentos em forma de slides psicodélicos das mais diversas fontes agindo como cartomantes de tendências pós-pandemia.
Nenhum deles conseguiu, se quer, prever quando a pandemia iria terminar. E eu acredito que o tempo de duração da pandemia seria um fator-chave para a determinação de toda e qualquer “tendência tendenciosa”, não? Ainda vou me debruçar sobre essa documentação toda e tentar descobrir suas mais diversas aberrações.
Algo semelhante acontece com a questão envolvendo os termos “geração + letra & afins”.
Indo diretamente ao ponto: a geração Z do bairro de Moema em São Paulo, cujo IDH é maior do que o maior de qualquer país, é a mesma geração Z do bairro do Capão Redondo da mesma cidade, cujo IDH equivale ao do Sri Lanka? Obviamente, não se trata aqui de uma discussão sobre IDH, mas sim de sua variação em função da distância, nesse caso, cerca de 16km.
As pessoas que compõem a geração Z desses dois bairros são exatamente iguais em termos de hábitos e práticas comportamentais? Consomem o mesmo tipo de música, vestuário, comida ou entretenimento? Possuem o mesmo nível de escolaridade, têm a mesma expectativa de vida ou a mesma faixa de renda? Em suma, e para fins de marketing, seus hábitos de consumo são exatamente os mesmos?
Se o acidental leitor achar que sim, não se faz necessário que a leitura chegue até o fim desse pretensioso artigo. Caso se permita à reflexão, vem o questionamento inevitável a respeito das referências enviadas pelas meninas da Macfor para elaboração desse amontoado de palavras. Trata-se dos artigos publicados pela Forbes e pelo site Mintel no primeiro semestre desse ano. Ambos retratam o contexto atual do consumo de bebidas alcóolicas pela Geração Z.
O primeiro é sensato logo de saída e bem fundamentado em sua estruturação lógica. O segundo deixa a desejar, pois se fundamenta muito mais em “achismos” do que em evidências concretas e confiáveis, chegando a cogitar o surgimento futuro de vinhos e uísques sem teor alcóolico algum. Isso até pode acontecer, mas não se tratará mais de vinhos e uísques, mas de bebidas de outras categorias com outros nomes, de preferência. É como acreditar que almôndegas de açaí (sim, elas existem!) são almôndegas.
O desafio proposto em ambos os artigos gira em torno do fato de que a indústria fabricante de bebidas tem que enfrentar uma situação em que o consumo de bebidas alcóolicas pela Geração Z não é o mesmo das “gerações + letra & afins” anteriores. Isso, cada vez mais, vai implicar em grandes transformações em sua forma de exercer vantagem competitiva.
Acredito que seja um contexto real e inevitável. Mas vale a pergunta: “Geração Z? Qual delas? Existem muitas…”. Isso não foi considerado nas colunas, o que compromete a consistência estratégica mercadológica de ambas.
Por fim, outro fato que chama a atenção em ambas as colunas: a idealização da geração Z em termos de vida saudável, preocupação com o meio ambiente, saúde mental, dentre outros. Torço para que seja verdade na medida e intensidade que se descreve ali.
Mas lembro que quem escreve sobre a geração Z é a geração que vem antes dela ou aquela que vem antes dessa. Toda mãe acha que o filho é lindo. Até a minha. Minha avó então…
Ricardo Poli é professor, palestrante, provocador, piadista e colunista da BRING ME DATA.
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As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.