Fui seduzido pelas meninas da Macfor a comentar a matéria de outra menina colunista da Folha a respeito da recente viagem (quase) espacial promovida por Jeff Bezos. A autora da referida matéria, Joanna Moura, fez uma análise prodigiosa do ocorrido. Com certeza, muito melhor do que esse velho professor de marketing rabugento seria capaz de fazer. Vale a leitura da coluna, mais do que o que vem a seguir.
Como o acidental leitor dessa coluna já deve saber, a viagem promovida pela empresa de Jeff, a Blue Origin, levou algumas mulheres famosas, semi-famosas e nada famosas para um “rolê” de alguns minutos na estratosfera. A princípio, nenhuma gravidade relevante nessa ativação de marca. Afinal, o investimento necessário para execução de tal ação de marketing proveio de um orçamento previsto da referida empresa.
Como não poderia deixar de ser, o ocorrido “hypou” nas redes sociais e nos veículos digitais em inúmeros países e planetas. Com toda certeza que possa existir, potencializou o desejo de inúmeras pessoas de um dia ter a mesma experiência, mesmo sabendo que isso nunca vai acontecer. Quanto a Bezos, o awareness de sua marca pessoal deve ter crescido para além da Via Láctea. E como se não bastasse, com a pitada adicional de um tempero “de causa”, visto que o habitáculo da nave continha somente passageiras.
Sob o ponto de vista de marketing, uma irretocável ação promocional, segundo os modernos manuais de instrução de marketing. Mas não segundo alguns outros clássicos, geralmente esquecidos. Como sempre recomendou esse escrevinhador metido a colunista a seus alunos e clientes, há de se ter cuidado em associar uma causa a uma marca. O efeito reverberador favorável da imagem de marca pode ser exponencial por conta disso. Entretanto, o efeito rebote pode ser devastador. Seria como uma reação desproporcional a ação gerada por ela, algo que contraria uma das clássicas leis da física.

Seja qual for a motivação de tal reação, da inveja irracional ao senso crítico racional, a viagem de Bezos foi motivo de inúmeras críticas. Sob o ponto de vista sociológico, tentar associar a causa feminina a uma viagem (semi) espacial foi percebido quase como uma ofensa. Afinal, qualquer ser humano ou extraterrestre sabe que a distância entre uma coisa e outra é medida na casa dos milhares de anos-luz.
Somado a isso, ainda há de se considerar a sobreposição de causas de polaridade invertida. Nesse caso, a causa ecológica em conflito com a causa feminina ou a causa da concentração de renda. A viagem de Bezos custou milhões de dólares, nada colaborou para a ciência, privilegiou um grupo de poucas pessoas muito privilegiadas e jogou na estratosfera 93 toneladas de CO₂ por passageira, segundo o que informou Joanna em sua coluna. Logo, não é difícil concluir que o devaneio espacial da Blue Origin nada contribuiu para evolução da humanidade. O investimento poderia ter sido alocado a uma causa mais humana, não?
Se tal ação promocional nada tivesse influenciado seres humanos alheios a ela, pouco haveria a ser questionado. Afinal, tudo foi bancado de forma privada e, inclusive, deve ter gerado inúmeros empregos por conta disso. Não necessariamente em se tratando de Bezos, conhecido por sua política irretocável de recursos humanos (ou robóticos). Mas…
Sinceramente, fico intrigado em saber por que diabos Jeff cismou de associar seu capricho à causa feminina. Ouso arriscar que, nesse caso, nenhuma causa seria “cabível”. Ao fazer tal indexação, abriu-se um flanco enorme para um forte efeito rebote. Jeff seguiu mesmo as instruções dos modernos manuais de branding, mas se esqueceu de que “Marketing não é uma batalha de produtos, é uma batalha de percepções.” Provavelmente, nunca deve ter lido Aaker, Kotler, Al Ries ou Jack Trout.
Recomendo humildemente que Jeff leia os livros clássicos desses autores. Eles são facilmente encontrados na Amazon, ou na Estante Virtual, caso esteja com baixo orçamento dedicado aos estudos.
Ricardo Poli é professor, palestrante, provocador, piadista e colunista da BRING ME DATA.
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As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.