Apple Watch vs relógios suíços: é hora de rever alguns conceitos
O acidental leitor dessa pretensiosa coluna já deve ter percebido que o esforço desse professor em criar os títulos para seus artigos é algo hercúleo de resultado ínfimo. A expectativa é de que já tenham se acostumado com isso e a torcida é para que sejam crédulos da máxima de que “não se deve julgar o livro pela capa”.
Assim sendo, recomendo antes da leitura cafeinada do que vem a seguir, à vista dessa matéria do blog da Bloomberg Línea. Como qualquer ser primata da NASA pode constatar, o texto escrito pelo referido autor faz uso intenso de um relatório do renomado Morgan Stanley e indexa o desempenho das vendas do já famoso relógio da Apple com as vendas de todo e qualquer tipo de relógio da indústria relojoeira do país dos queijos e canivetes.
Um texto delicioso de ler para quem é fã incondicional da marca da “maçã mordida” e suas peripécias mercadológicas.
Vou usar aqui o artifício que aprendi em minha infância para comentar o texto do famoso blog e do estudo do famoso banco de investimentos. Trata-se de bater no cara grandão, que acha que sabe tudo e pode qualquer coisa, no exato momento que ele descarrega os fluidos produzidos por seus rins.
Tapa intenso na nuca desprotegida e corrida comparável a Usain Bolt. Algo que você faz não somente por você, mas por todos aqueles que gostariam e que se sentiram afrontados diante de tanta insensatez. Acredite, são muitos e alguém tem que se dispor ao sacrifício.
Pois bem, direto ao ponto, que comparação esdrúxula. Foi exatamente o que disse de supetão ao meu querido ex-aluno Hugo, fã incondicional da maçã mordida, quando me enviou um “direct” com o link do resumo da notícia.
Achei, de fato, que se tratava de uma provocação. Dei-lhe um esculacho e ainda mandei uma “DECEPÇÃO” em letras garrafais, o que me levou a fazer algo mais elegante no comentário da notícia…
Trata-se de uma comparação estúpida! Apesar de pertencerem à mesma categoria de produto em termos genéricos, são produtos completamente diferentes. Seria como comparar um Golf (sendo gentil com a Apple) com um Pagani (hipercarro esportivo de luxo).
É preciso estudar a transformação da indústria de relógios suíça em detalhes. Não é a primeira vez que uma marca específica de relógios supera toda indústria suíça, por sinal. Um post bem-intencionado, mas muito mal construído.
Em termos estratégicos, o texto peca por indexar as vendas de toda indústria suíça a uma única pressão mercadológica. Quem disse que o desempenho das vendas dessa indústria depende única e exclusivamente do surgimento e do desempenho das vendas do Apple smartwatch?
Antes dele existir, não dependia de nenhuma outra pressão? Como assim? A existência do mais recente fruto da macieira tecnológica pode afetar tal desempenho, mas não é o único responsável por ele, obviamente. Posso garantir que essa pressão é só mais uma diante de inúmeras outras tantas, que afetam de forma mais contundente a demanda em questão.
Se o estudo fosse mais profundo, teria bebido na fonte da história do surgimento da Swatch no início dos anos 80 em meio à crise da indústria relojoeira daquele país. Crise causada pela transformação do cenário tecnológico do macroambiente que trouxe ao mundo algo chamado quartzo.
Tal transformação foi responsável pelo crescimento estrondoso da indústria japonesa e americana, que investiram no conceito de relógio casual e acessível aos mortais e não como joia que se transmite ao longo das gerações.
À época, os bancos suíços sugeriram a liquidação de todas as empresas fabricantes de relógios que estavam à beira da falência. Isso só confirma que, em termos de criatividade estratégica, os bancos são a turma do fundão da sala de aula, que certamente seria reprovada nas aulas de marketing estratégico desse professor.
Eis que surge um santo salvador (estrategista de marketing, obviamente) dessas empresas que promoveu a fusão de todas elas criando uma marca que se propunha a lançar uma nova concepção daquilo que se imaginou como o “novo relógio”.
Algo que japoneses e americanos não levaram em conta. Relógio como artigo de moda, fashion, colecionável, em coleções que se renovam a cada estação, séries limitadas e coleções licenciadas, dentre outras tantas inovações.
Os engenheiros alemães da indústria de brinquedos e isqueiros foram convocados para o uso da tecnologia aplicada a materiais plásticos, o que gerou relógios montados com algumas poucas dezenas de peças, algo impensável naquele tempo, todos movidos a quartzo. Os italianos foram convocados para fazer aquilo que ninguém sabe fazer melhor do que eles: design.
Trata-se de uma bela história utilizada por esse rabugento em suas aulas desde os anos 90. Acredito que ainda tenho a fita VHS que contém esse documentário, que não foi encontrado no YouTube.
O debate era intenso e levava a inúmeras reflexões estratégicas que auxiliavam a fixação de algo primordial na mente de todos. Algo que virou marca registrada desse que vos escreve quando se trata de analisar uma determinada situação mercadológica: “Antes de dar as melhores respostas, saiba fazer as melhores perguntas…”
Fica aqui uma última indagação: quem compra um lindo relógio suíço mecânico, não pode também adquirir um smartwatch da empresa da maçã mordida?
Uma coisa é certa, ninguém que veste smoking numa festa elegante está usando um smartwatch. Ou, ao menos, não deveria. Da mesma forma que Bloomberg Línea e Morgan Stanley fizeram ao analisar tal contexto, elegantes e desconexos.
Fui! Não está mais nesse mundo quem escreveu o que você acabou de ler…
Ricardo Poli é professor, palestrante, provocador, piadista e colunista da BRING ME DATA.
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As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.