A versão 2024 do Cannes Lions, o tradicional evento de premiação de campanhas publicitárias executadas ao redor mundo, contemplou várias delas ocorridas em terras tupiniquins. Ainda que se trate de um evento promovido por publicitários para premiação de publicitários, seria imprudente não considerar sua importância dentro do meio. Fora dele, pode-se afirmar que a imensa maioria das “pessoas alvo” de tais campanhas premiadas desconhece a existência de leões dourados, prateados e bronzeados.
A premiação ocorre em várias modalidades sendo que, somente na categoria Media, dez estatuetas felinas cruzaram o oceano para ficarem enjauladas em agências do lado de cá. Um fenômeno que já não pode mais ser classificado como “uma grande novidade” e muito menos leva a considerar que “o brasileiro é criativo”. Longe disso, afinal, muitos outros leões metálicos estão espalhados pelo mundo. Se criatividade fosse algo possível de ser avaliado a partir de critérios universais, os espanhóis estariam, no mínimo, entre os “top five” desse ranking por conta de Picasso, Dali, Miró ou Gaudi, dentre outros.
O que de fato rugiu, em alto e bom som, foi o Leão Dourado cedido a agência GUT São Paulo por conta da campanha “The Handshake Hunt”, criada e executada para o Mercado Livre. A campanha abocanhou o tão almejado Grand Prix, tendo se destacado por “reunir criatividade, uso inteligente da tecnologia e alto impacto nos negócios”, como afirmado por Prerna Mehrotra, presidente do júri e CCO (seja lá o que isso signifique) da agência Dentsu APAC. Em tempo: a campanha também levou um Leão de Prata e um de Bronze na categoria Media.
Deixando a rabugice de lado, algo que requer grandes esforços para esse velho professor de marketing, pode-se considerar que o referido prêmio é mais do que merecido, ainda que esse escrevinhador metido a colunista não tenha assistido as outras campanhas que concorreram a ele. O eventual frequentador dessa coluna não vai precisar mobilizar grandes esforços para concordar com isso, ainda que tenha percebido um certo viés passional nacionalista em tal constatação.
A campanha prima por sua inteligência ao vincular a essência simbólica imagética da marca, vulgo logotipo, a sua evidência real em ocasiões televisivas inusitadas durante o período da Black Friday. Em termos práticos, a dinâmica da campanha se dava pelo surgimento de um QR Code promocional do Mercado Livre quando um aperto de mão se apresentava diante da tela da TV, quer fosse em um filme, programa de auditório ou jogo de futebol.
Muitas foram as ocasiões em que isso ocorreu, cerca de 2000 vezes, o que precisou contar com grande comprometimento operacional da Globo para sua viabilização. A grande quantidade de aparições era algo fundamental para o bom desempenho da promoção, visto que o consumidor televiso teve que se acostumar deixar seu celular previamente engatilhado para captação do cupom eletrônico.
Os resultados da campanha são admiráveis, visto que alcançou 80 milhões de pessoas, gerando 7,8 bilhões de impressões. Segundo o site B9, a “consciência de marca” cresceu cinco pontos percentuais, fazendo com que chegasse ao topo em sua categoria. Somado a isso, a “consideração de marca” cresceu sete pontos percentuais, junto com um crescimento de 14% de visitas em sessões do aplicativo e do site. E o mais importante: crescimento de 80% em vendas do primeiro dia da Black Friday e de 39% nas transações ao longo do mês.
Os critérios para avaliação da criatividade de uma campanha publicitária são complexos e nunca deixam de carregar consigo algum viés emocional. Para avaliação de sua inteligência, os critérios são simples, racionais e sempre justificados por meio de números.
E para o mundo do “marketing digital” (se é que isso existe) fica uma lição: TV ainda funciona. E muito!
Até mesmo para os negócios eminentemente digitais…
Ricardo Poli é professor, palestrante, provocador, piadista e colunista da BRING ME DATA.
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As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.