Os primeiros jogos olímpicos dos quais me recordo são os de Moscou em 1980 com o simpático mascote ursinho Misha. Tinha 10 anos e vi o Brasil faturar duas medalhas de ouro no iatismo e duas de bronze, uma com o grande João do Pulo no salto triplo e outra com o time de revezamento nado livre.
A Rede Globo atua nas Olimpíadas desde Munique 1972 e nessas cinco décadas, se destacou como a principal emissora a concentrar os direitos de transmissão no Brasil, às vezes compartilhando pequenos espaços com outras redes como o Grupo Band e Record, e com alguns canais da TV por assinatura e portais. Uma exceção foi Londres 2012, quando os direitos para TV aberta ficaram nas mãos do Grupo Record.
No entanto, os Jogos de Paris marcaram uma disrupção típica desses novos tempos hiperconectados com o sucesso da CazéTV para as transmissões via web.
Nem sou a pessoa mais indicada para falar do Casimiro Miguel, mas sei que ele começou há alguns anos sua jornada esportiva na produção do Esporte Interativo que depois foi sucedido pela TNT Sports. Virou fenômeno em 2021 com transmissões diárias no serviço de streaming Twitch, conquistando prêmios e alcançando milhões de visualizações em seu canal no youtube.
Em 2022, Casemiro estreitou parceria com a LiveMode, uma empresa brasileira de pessoas com quem já havia trabalhado e que adquiriu os direitos de transmissão da Copa do Mundo. A CazéTV nasceu assim, despretensiosamente, para atender uma necessidade quando a Globo renegociou valores de contrato com a FIFA, abrindo mão da exclusividade para canais digitais. A partir daí, a inovação CazéTV avançou para os jogos pan-americanos de 2023 e chegou às Olimpíadas de Paris 2024.
Muita calma nessa hora, pois não é o que você pensa. Ou pelo menos não será ainda dessa vez. A CazéTV não irá destronar a Globo e nem é sua ambição. As audiências não são comparáveis, as escalas da TV aberta ainda são de outro mundo. Mas a CazéTV alcançou 50 milhões de espectadores e fez a maior live da história dos esportes olímpicos ao reunir mais de 4 milhões de pessoas para a final da ginástica artística das vitoriosas garotas brasileiras.
A CazéTV se posiciona como solução de distribuição e monetização complementar para eventos esportivos. Se você pesquisar para saber quem é LiveMode, lá diz que produzem conteúdos com a linguagem contemporânea da Internet e criam soluções proprietárias de distribuição via plataformas de streaming, conectando o esporte ao mundo digital.
Mas o que é importante para nós, profissionais de marketing e inovação, atentos às mudanças sócio-culturais, é perceber o jorro fresco de novidade, a novidade conectada ao comportamento contemporâneo na interação, na linguagem, nas plataformas, nos proporcionando uma amostra de inovação sendo feita ao vivo, em tempo real, com poder de contagiar outras dimensões da comunicação e do marketing para além dos esportes.
Regularmente, temos revoluções na comunicação com transformações de linguagens, tecnologias, comportamentos. Não vou voltar aos primórdios da TV, mas acompanhei o lançamento da MTV Brasil em 1990, com programas “transgressores” que influenciaram a comunicação e o comportamento daqueles tempos.
Havia o Barraco MTV com a Astrid Fontenelle e depois, com minha colega de faculdade Soninha Francine debatendo temas polêmicos em 1996; o Ponto Pê da Penélope Nova para falar de sexo com dúvidas enviadas por email ou telefone a partir de 2004; o divertido 15 Minutos do então talentoso guri Marcelo Adnet lá por 2008 e tantos outros.
Se você curte a tendência dos vídeos estilo “react” desses anos, o que era o programa Piores Clipes do Mundo de 2000 apresentado pelo Marcos Mion? Algo 100% “react” divertidíssimo para um produto extremamente popular da época que eram os videoclipes. Então os reacts não foram inventados nos tempos de pandemia? Pois é. E nem foi o Mion. A ideia vinha pelo menos desde a década de 1970 na TV japonesa e hoje, adoro quando o CazéTV coloca no canto da tela a reação dos narradores e comentaristas diante de jogadas e performances.
No mundo dos esportes, lembro da transgressão irreverente que era assistir aos jogos de futebol com o trio da TV Record Sílvio Luiz, Pedro Luiz e Flávio Prado, precursores da ideia de narrar e comentar com humor, como se estivessem numa mesa de amigos, com comentários “extra-campo” sobre a comida na cabine ou pessoas aleatórias nas arquibancadas.
Tenho saudades do Fausto Silva pré-Domingão do Faustão, quebrando tudo no escrachado e criativo Perdidos na Noite na década de 1980, animando e inspirando nas madrugadas.
Marcelo Tas é outro desses inovadores, tendo se tornado conhecido como o repórter surpreendente. Ernesto Varela dentro do coletivo Olhar Eletrônico, ao lado do cineasta Fernando Meireles. Entre tantas coisas, contribuiu com os programas infantis da TV Cultura. No comando do CQC, também liderou outra revolução com humor e polêmicas.
Foi Marcelo Tas, um especialista em comunicação, quem comentou em entrevista recente de julho de 2024 para o Roda Viva da TV Cultura que a CazéTV deu show de cobertura nas Olimpíadas de Paris, com qualidade técnica, competência, jornalismo, evidenciando uma mudança de paradigma, em que os direitos de transmissão foram compartilhados entre Rede Globo e CazéTV, e vendo com curiosidade a nova entrante disputar audiência em muitos momentos com a SportTV, com sua estrutura consolidada e investimento muito maior.
Ele reforça que, “para quem ainda duvidava que estamos vivendo novos tempos, a Cazé TV está aí” (para provar). E esfregar na cara, eu acrescentaria gentilmente.
A transmissão das Olimpíadas pela Cazé TV foi um marco na história da transmissão dos eventos esportivos, com impacto em toda a comunicação contemporânea. Seu modelo inovador de transmissão ao vivo, oferecendo conteúdos exclusivos, e a interação com o público pelas redes sociais se adapta ao contexto de diálogo dos dias atuais, com participação ativa do público em tempo real.
Sua campanha para apoiar os atletas, convidando o espectador a seguir os perfis da equipe brasileira durante as transmissões, com certo valor desinteressado genuíno incomum de se ver por aí, pegou muito bem e fez gente como a campeã do Judô Bia Souza pular de 15 mil para mais de 3 milhões de seguidores em poucos dias, o que faz muito bem para a possibilidade de apoios e patrocínios tão raros no Brasil.
Eu abria minha TV Samsung e lá estava a Cazé TV pronta para ser clicada. Abria o celular e lá pulavam os conteúdos da CazéTV com enorme engajamento. E muitas marcas como Ifood e Mercado Livre perceberam e investiram nessa onda bem mais forte do que as da praia do Teahupo’o na final desesperadora do surf nesses jogos.
Na perspectiva de profissionais de marketing, comunicação e negócios, vale muito refletir sobre esse fenômeno, identificar movimentos do tipo CazéTV em muitas outras esferas, compreender definitivamente que vivemos novos tempos e assim, remar consistentemente para chegar no pico e aproveitar a próxima grande onda, mantendo nossa relevância como marca e oferecendo valor real sintonizado ao espírito do tempo.
Luiz Serafim é apaixonado por inovação, palestrante, professor, diretor-executivo da “World Creativity Day” que organiza o maior festival colaborativo de criatividade do mundo e colunista da BRING ME DATA.
Cadastre-se para receber a BRING ME DATA toda segunda para não perder as principais novidades e tendências do mercado com opiniões de grandes especialistas.
As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.