Quer aprender marketing? Estude o consumo de vinhos
“No nariz é interessante e convidativo com aromas que incluem cerejas, ameixas, tabaco e ervas secas. Refinado e bem estruturado, apresenta muito boa concentração de fruta, taninos sofisticados, acidez crocante e ótima complexidade, típica do vinho tinto toscano. Este vinho acompanhará muitos pratos e tem uma relação qualidade/preço excepcional, adorável!“
Esse comentário foi retirado do site de uma loja online de vinhos ao comentar determinado “produto” italiano. Como esse, muitos outros existem com a mesma “lógica” em inúmeras colunas, canais do YouTube, blogs e afins, que têm o vinho como principal protagonista. O referido texto é uma aula de marketing, mais especificamente de redação publicitária.
Aromas de cerejas, ameixas, tabaco e ervas (quais?) secas (não molhadas!), tudo isso combinado na justa medida e facilmente constatável pelas narinas de qualquer pobre mortal, com toda certeza.
Existe algum vinho não estruturado? E taninos não-sofisticados, como serão? O desafio maior virá quando se tentar constatar pelo paladar a “acidez crocante”. Nada tão difícil para quem já tomou vinho ao menos uma vez na vida, concorda? Em tempo: Como seria uma acidez macia?
O acidental leitor notou que a rabugice do velho professor de marketing está em dias de alta. Mas não se trata disso, acredite. Na verdade, trata-se de um conflito interno inerente à maturidade. Não a dos vinhos, mas de quem já pensa e, pretensiosamente, acha que ensina marketing há décadas em confronto com o fato dessa mesma pessoa ser um consumidor final como outro qualquer da referida bebida.
O resultado disso: admiração estruturada com aromas de chatice bem crocantes.
Sem ironia alguma, é admirável a “mística” que se cria em torno dos vinhos. A descrição de seus atributos, entendidos aqui como a parte racional e técnica do produto, se limita a informar o tipo de uva, ou a combinação de uvas, que compõem tal produto, somado ao seu tempo de maturação, país de origem, teor alcóolico e embalagem, dentre outros de menor importância.
O que vem depois disso é intangível, subjetivo, emocional e afetivo.
Benefícios e valores criados, cultivados e envelhecidos de forma proposital, com intensidade variável de artesanalidade, o que leva a descrições de atributos e benefícios como aquela descrita no primeiro parágrafo. Ao final, tudo se funde.
A combinação desses três fatores leva a criação de produtos que carregam inevitavelmente em sua composição “mercadológica” um conjunto de significados que se sobrepõem a qualquer característica organoléptica da bebida.
Em outras palavras, não bebemos vinho, bebemos também o conjunto de significados que ele traz consigo. Isso nos faz chegar aonde a indústria de vinhos mais deseja: “Quanto mais caro, melhor…”.
Como professor de marketing, eu diria “fantástico!”. Nesse caso, pensando em quem cria e oferta a referida bebida para o mundo. Como professor de marketing, engenheiro de alimentos, consumidor final e bebedor de vinho, eu diria: “não caio nessa!”. Eis o conflito.
Como sempre disse para meus queridos alunos: “quanto mais marketing você estuda, mais chato você fica.” E sempre tinha um engraçadinho, ou engraçadinha, que dizia: “imagine a chatice de um professor de marketing”. De chofre, eu respondia: “você vai conhecê-la quando eu corrigir a sua prova”.
Voltando o objeto dessa coluna, posso afirmar que, em termos de marketing, o vinho seria um dos produtos tangíveis mais intangíveis que existem. E isso se concretiza em algo que é o mais racional que pode existir, seu preço.
Somado a isso, e mais do que óbvio, vem a publicidade (e não propaganda), responsável por fazer a combinação de tudo a ponto de tornar o referido produto perfeitamente harmonizável ao status e ao estilo de vida. E não, esse professor não está embriagado, acredite.
Imagine você, gerente de produto, conseguir fazer a mesma coisa com seu molho de tomate. Se tornaria CEO da noite para o dia. Entretanto, duvido que isso fosse possível a ponto de você conseguir fazer com que a lata de seu molho chegasse a um preço de seis ou sete dígitos, como acontece com alguns vinhos.
Mas nem tudo são flores nesse contexto. Recentemente, como descrito numa matéria da BBC News, o governo francês decidiu destinar cerca de 200 milhões de euros, ou um pouco mais de um bilhão de reais, para destruir o excedente da produção de vinho do país e ajudar seus respectivos produtores.
O que pode parecer um ato absurdamente inimaginável e catastrófico para um admirador dos vinhos franceses, é perfeitamente lógico para quem entende minimamente a lógica de uma demanda.
De forma prática, trata-se de um contexto em que a demanda de vinho cai a taxas significativas e a oferta segue na direção contrária. Segundo a reportagem, até junho desse ano, o consumo de vinho caiu “7% na Itália, 10% na Espanha, 15% na França, 22% na Alemanha e 34% em Portugal, enquanto a produção de vinho em todo o bloco – maior região produtora de vinho do mundo – cresceu 4%”. Têm-se um problemão aí.
Se faz necessário entender que nada será destruído, o que seria um sacrilégio, sendo o “estoque excedente vendido para utilização em artigos como desinfetantes para as mãos, produtos de limpeza e perfumes”. Somado a isso, os viticultores terão incentivos financeiros para transformação de suas lavouras atuais em produção de outros tipos de cultura, como a azeitona, por exemplo.
E por que as vendas de vinho na região, onde o consumo per capita é o maior do planeta, estão diminuindo? A busca por essa resposta daria um ótimo debate em sala de aula.
Ainda que não se chegasse a uma conclusão exata e definitiva, o mais importante seria concluir que não se trata de um único motivo, sendo muitos os fatores, em intensidades diferentes, justificadores de tal fenômeno.
Um dos principais fatores utilizados como causa de tal contexto é o crescente aumento no consumo de cervejas artesanais na região, como apontado o ministro da agricultura francês na coluna da BBC News. Será mesmo? Não duvido.
Trata-se de uma briga secular, ainda que a cerveja tenha surgido 4.000 anos antes do vinho, que possui cerca de 2.000 anos. Por outro lado, sua história sempre foi mais glamorosa, a ponto de estar presente na última ceia do barbudo mais famoso da história da humanidade.
Por fim, sempre gosto de lembrar que o melhor vinho que existe é aquele que você está bebendo no exato momento que está bebendo. De preferência, harmonizado com uma bela companhia.