Na linha de frente da construção de marcas há 3 décadas, vejo muitas táticas empresariais questionáveis, gerando impacto negativo para reputação e vultosas perdas financeiras.
Ao longo da minha carreira, refletia sobre a pertinência em investir em certos programas, canais, celebridades, projetos que, apesar da efetividade em trazer resultados, estariam desalinhados com valores pregados pela organização e dissonantes de uma visão mais ampla, considerando pilares éticos como alicerce básico para toda e qualquer iniciativa.
No entanto, essa perspectiva ganhou força maior quando passei a liderar a estratégia de marca corporativa da 3M a partir de 2008. Minha mudança de chave contou com a inspiração preciosa de uma personagem esportiva, o ex-piloto Ingo Hoffmann. Naqueles anos, decidimos patrocinar uma equipe de Stock-Car, importante modalidade do automobilismo nacional, com o privilégio de contribuir com o último torneio do maior campeão de todos os tempos.
Ingo participou da equipe brasileira de Fórmula 1 Copersucar-Fittipaldi em 1976-77, correu por 3 décadas na Stock-Car onde colecionou 12 títulos, pilotou na GT3 e ainda seguiu como chefe de equipe após a aposentadoria das pistas. Todo esse currículo de alta performance e conquistas justificava, em tese, uma possível associação com nossa marca, também ligada ao mercado de automóveis e reconhecida com a tal performance superior.
O que eu não sabia é que, além de tudo isso, Ingo era uma pessoa incrível e generosa. Não vou dizer perfeita porque isso não existe. Eu não sou e você também não. Mas Ingo fica certamente acima da média em humanidade, decência, comprometimento, responsabilidade.
O célebre piloto não tinha intermediário, assistente ou outro meio para interagir com as marcas. Extremamente acessível, era sempre pontual, atencioso, flexível. Nos eventos, dedicava enorme atenção aos fãs, preocupava-se com sua entregas e compromissos, fazia questão de ser transparente e sensato nas negociações.
Acompanhar o piloto pelo autódromo só reforçava a percepção de como era uma pessoa amada, carinhosa, gentil com todos. Fora dos autódromos, como fui diretor voluntário do Hospital Boldrini em Campinas, conheci bem o trabalho maravilhoso do Instituto Ingo Hoffmann, criado em 2005 para abrigar crianças e suas famílias durante o tratamento nesse centro infantil de referência no combate ao câncer infantil.
Ao longo dessa convivência, patrocínio e valioso aprendizado por 3 anos, ficou claro para mim que o caminho da construção de marcas deveria buscar sempre o “efeito Ingo Hoffmann”, apelido que dei ao ideal de buscar a conciliação entre objetivos e integridade, orientado por uma visão mais abrangente de nossos impactos de comunicação.
Dali para diante, meu processo intuitivo passou a ser consciente e deliberado, apostando em pessoas e projetos que nos pareciam afinados com as expectativas de resultados e nível de integridade desejado. Após o “efeito Ingo Hoffmann”, a pré-análise virou uma etapa essencial para tomada de decisão, um pré-requisito para guiar escolhas responsáveis de quem tem poder de comunicação para influenciar a sociedade.
Afortunadamente, há muita gente boa e projetos decentes no mundo para investirmos em planos de comunicação e fortalecimento de marcas. Testemunhei isso inúmeras vezes, trabalhando por exemplo com o ator Lázaro Ramos (que fez comercial para a marca Scotch-Brite) e com o influenciador de ciências João Justo Pires (Professor Jota), interagindo com a assessoria cultural ELO 3 e com produtora Prosa Press em projetos cinematográficos, cocriando com a Projeto Draft em conteúdos inovadores, desenvolvendo parceria com a Terra Cycle em programa de reciclagem, entre tantos episódios que combinavam profissionalismo, resultado, senso de urgência com ética, propósito, respeito e gentileza.
Então vão aí perguntas estimulantes: Será que você deve mesmo contratar aquela celebridade com milhões de seguidores, conhecendo seus estrondosos desvios éticos? Deve investir em plano de mídia que contempla o programa de grande audiência, mas que promove conteúdos sensacionalistas, mentirosos, de baixa qualidade? Ao contratar um MC ou palestrante que empolga a audiência, mas de relacionamento super tóxico, você para ou continua?
Quero investir em ideias, projetos, pessoas que alcancem grandes públicos afins, entregando os resultados esperados, mas também sonho em gerar impactos sociais positivos. Não vale só um fator em detrimento de outro. Talvez a saída seja buscar um “idealismo-pragmático (ou seria, um pragmatismo-idealista)? Dá para combinar isso na prática da comunicação?
Felizmente, há diversas visões de mundo e eu não quero, nem por um minuto, passar a ideia de que eu tenho a verdade absoluta como defensor da moral universal. Claro que não sugiro buscar a inexistente garota-propaganda imaculada, o utópico projeto sem defeitos, mas o convite é para esticarmos um pouco nossa régua.
Vale lembrar que muitas empresas estabelecem critérios objetivos, fazem pesquisas e elevam a barra na hora de contratar fornecedores e prestadores de serviços de diversas áreas. Por que então não olhar um pouco mais longe para evitarmos divulgar nossas marcas por meio de assediadores violentos, celebridades envolvidas em lavagem de dinheiro, desrespeitosos arrogantes, produtores do sensacionalismo, conteúdos que aceleram vícios e adoecimentos, canais promotores de desinformação?
A pergunta está sempre por aí! No século XVI, Maquiavel escreveu sua obra O Príncipe, do qual se extraiu a paráfrase sobre se os fins justificariam os meios, embora ele não tenha escrito exatamente essa ideia no célebre livro.
Na primeira metade do século XX, o escritor Aldous Huxley teria afirmado que “os fins não poderiam justificar os meios porque os meios usados determinam a natureza do fim que é alcançado”. Filosófico, mas quem ousa discordar?
“Topa tudo por dinheiro” trazia a volta do dilema no programa do Sílvio Santos nos anos 1990. Você toparia tudo para atingir seus resultados de marketing e vendas? “Vale tudo” foi a novela da faixa noturna na Rede Globo em 1988 com sua crítica à corrupção e denúncia da reversão de valores daqueles tempos e que terá remake em 2025. Na primeira versão, o protagonista foge do país com muito dinheiro em seu jatinho e dá uma “banana” para o Brasil.
No universo publicitário, onde predominam patrocínios de bets, infinitas ligações indesejáveis de robôs, celebridades envolvidas em tenebrosas transações, oceano de conteúdos fake, automações cheias de vieses e voltadas para viciar seus usuários, vale nossa reflexão sobre os fins que desejamos e os meios a serem utilizados.
Que o “efeito Ingo Hoffmann” se faça presente na vida das marcas e comunicadores do Brasil, buscando alta performance e grandes resultados, com integridade, gentileza, responsabilidade.
Luiz Serafim é apaixonado por inovação, palestrante, professor, diretor-executivo da “World Creativity Day” que organiza o maior festival colaborativo de criatividade do mundo e colunista da BRING ME DATA.
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As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.