Li placa de uma clínica destacando sua especialização em fertilização humanizada. No dia seguinte, vi outdoor comunicando benefícios de uma corretora de saúde humanizada. Logo depois, no meu feed brotou post sobre atendimento humanizado. Agora a bola da vez do marketing é humanizar? Pelo menos, foi essa minha impressão depois da avalanche de mensagens similares. Esse fenômeno em que passamos a dar atenção para uma informação recém-adquirida, fazendo com que pareçam abundantes de uma hora para outra, é um viés cognitivo que se chama “ilusão de frequência”, também apelidado de efeito Baader-Meinhof.
Quando meu filho nasceu, escutava o nome Gabriel em cada supermercado, consultório, escola. Aposto que você deve ter casos semelhantes para contar. Nas minhas aulas de marketing, ensino aos estudantes sobre a questão da atenção seletiva e a heurística de disponibilidade.
Mas voltando à febre do marketing humanizado, é só ilusão de frequência ou de repente, isso virou o norte da comunicação e posicionamento de marcas?
A ideia de ressaltar a humanização do atendimento começou a ganhar força há umas 2 décadas, impulsionada por mudanças no ambiente empresarial e na sociedade, compondo uma nova abordagem no relacionamento que enfatiza a empatia, a personalização, o respeito, a melhor experiência possível.
Os avanços tecnológicos criaram a possibilidade de coletar e interpretar muitos dados, segmentar, acelerar velocidades de respostas, customizar ofertas. A partir dos anos 2000, o conceito de experiência do cliente ganhou propulsão, considerando todas as interações do cliente durante a jornada com a marca, e levou empresas a priorizar o relacionamento com seus clientes por nova ótica.
Diante das possibilidades, com atendimento em tempo real, avatares e skins, plataformas colaborativas, ofertas selecionadas para cada indivíduo, espaços para ratings e reviews, convites à co-criação, e muito mais, as expectativas dos consumidores se transformaram, sedentas por grau máximo de personalização, conveniência e interação que agora podem ser viabilizadas em escala.
Por outro lado, a intensidade tecnológica gerou efeito colateral, criando demanda por um relacionamento mais empático que vá além de soluções de problemas gerais e que responda às nuances infinitas das necessidades de cada indivíduo, reconhecido como único.
Numa sociedade que se move em alta velocidade, desequilibrada e caótica, as pessoas anseiam por um minuto de atenção honesta em que possam ser ouvidas ativamente, compreendidas, acolhidas, encorajadas, construindo uma conexão mais verdadeira, para além da transação comercial.
Precisamos ser novamente ambidestros, agora no marketing. Ao mesmo tempo em que precisamos orquestrar processos ágeis, impulsionados por tecnologia, levando à conveniência, produtividade e competitividade, é fundamental fugir da impessoalidade, das mecânicas frias, da customização massificada “sem coração”, buscando equilibrar empatia e eficiência.
Fui aos mecanismos de buscas para dar “espiada virtual” no mercado e pesquisei a tendência aplicada a muitos segmentos. Tudo hoje é oferecido com o adjetivo Humanizado: Parto e funerária humanizados, estética e terapia humanizadas, arquitetura e gastronomia humanizadas, comunicação e marketing humanizados. Pode fazer sua pesquisa e depois me conta.
Mas não tem uma ironia ou estranhamento nisso tudo? Se somos humanos, por que necessitamos tanto humanizar nossas relações?
No fundo, a tendência do marketing humanizado quer recuperar a essência de interações empáticas, autênticas, personalizadas, que se perderam no mundo mais complexo, insensível, automatizado, eficiente, impessoal.
E como fazer isso? A primeira lente é não limitar as pessoas ao papel social de consumidor. Na sua frente, tem sempre um ser humano com mil necessidades, temperamentos, preferências.
Outro ponto importante é seguir protocolos e procedimentos padronizados que garantam eficiência, mas com sensibilidade para ir além dos scripts, fazer gestos significativos, demonstrar preocupação genuína.
Eu coleciono histórias de pessoas que largam a partitura e improvisam lindamente. Outras, não movem palha para driblar sistemas e obstáculos.
Quando se investiga sobre marketing humanizado, rapidamente se lêem dicas para gerar storytellings que aproximem os consumidores da empresa, engajar o público com interações menos engessadas e acrescentar toques pessoais, comprometer-se com causas sensíveis, entre outras possibilidades.
Tudo isso ajuda e temos exemplos inspiradores como o diálogo informal e personalizado da Netflix com os clientes nas redes sociais; a personificação da empresa na figura da liderança (Luisa Trajano em suas peregrinações e os funcionários da Magalu nas peças publicitárias); as campanhas de produtos de beleza real iniciadas por The Body Shop e amplificadas por Dove; o atendimento autêntico descolado e pessoal dos vendedores da Reserva (aqueles que parecem amigos de infância) ou do Nubank (já receberam aquela cartinha escrita à mão nos convidando a abrir conta?). Aliás, a última vez que comprei um sapato da Reserva, a caixa veio com uma foto e texto carinhoso da pessoa responsável por meu pedido.
No entanto, essa onda é uma boa calda de chocolate, uma cereja no bolo. O que exigimos é respeito, consideração, cuidado, educação. Queremos ir à clínica médica e não esperar horas por nosso momento agendado há meses. Desejamos despachar bagagens sem filas quilométricas, bem atendidos, e encontrar nossas malas no destino, sem avarias. Esperamos nossos pedidos de comida via app dentro do prazo e, caso tenha ocorrido algum incidente, que nos posicionem proativamente. Pretendemos resolver problemas com uma ligação rápida, um clique, sem dias de complicados processos sem solução.
Para mim, independente do marketing humanizado, existe sim o Marketing com letra maiúscula, que enxerga o cliente como uma pessoa importante, que quer estabelecer uma relação positiva duradoura, que personaliza as ações na medida do possível, que se preocupa por nossa satisfação e bem-estar no contexto das interações com a empresa.
É verdade que queremos ir além do que deveria ser básico, que devemos planejar diferenciais para além do arroz com feijão bem feito. Afinal, “a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”.
Mas alto lá! Não pense que um bombom no travesseiro, um comentário fofo no meu post nas redes sociais ou um cartãozinho dizendo que meu lanche foi feito com amor compensam a desumanização de todo o resto da experiência.
No fundo, dentro do mundo da hipereficiência, das escalas exponenciais, da polarização raivosa, o que imploramos é pelo resgate de valores de civilidade, de respeito, de cuidado, de entregar o que se promete, com sorrisos e gentileza, seja nas empresas, no marketing, nas cidades.
Luiz Serafim é apaixonado por inovação, palestrante, professor, diretor-executivo da “World Creativity Day” que organiza o maior festival colaborativo de criatividade do mundo e colunista da BRING ME DATA.
Cadastre-se para receber a BRING ME DATA toda segunda para não perder as principais novidades e tendências do mercado com opiniões de grandes especialistas.
As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.