Absurdo é tema fascinante discutido na filosofia e nas artes por grandes autores como Albert Camus, Slajov Zizek, Fernando Pessoa, Samuel Becket, Ionesco e Kafka, entre outros.
Por engy91
No mundo corporativo, faz décadas que reflito sobre absurdos organizacionais. Desde 2000, em meus cursos de criatividade, aplico uma técnica que consiste em denunciar absurdos como ponto de partida para inovar. Em vez de criações sobre páginas em branco, por que não direcionar energia para resolver imediatamente questões inadmissíveis presentes em nosso negócio?
Na perspectiva do escritor Matthijs Bal que escreveu o livro “The Absurd Workplace”, o absurdo é trágico à medida que viola e impede a dignidade dos indivíduos e, por extensão, com potencial de violar a dignidade de nosso planeta.
Refletindo sobre absurdos do cotidiano que foram normalizados nas práticas de negócio, não é terrível esperar em consultório médico por horas, sem nenhum gesto compassivo, mesmo com agendamento feito há meses?
E quando pagamos fortuna por um estacionamento de centro comercial que deixa o carro distante, sem proteção do sol a pino e não se responsabiliza por objetos deixados no automóvel? Ou ainda quando ficamos presos na Unidade de Resposta Audível de alguma empresa por eternidade, sem nenhuma humanidade que nos ajude?
Se eu fosse médico, gestor de shopping center ou líder de empresa de telefonia, certamente inovaria nessas frentes absurdas.
Há poucos anos, tomei nova consciência quando tive aula sobre negócios sustentáveis com Thomas Eckschimdt em que ele nos provocou a pensar em quais práticas que hoje nos parecem aceitáveis, mas que no futuro seriam classificadas como absurdas sob a ótica das ODS.
Pensei então que deveríamos inaugurar um Museu do Absurdo Organizacional, colocando sob holofotes as práticas nocivas de negócio que exercemos atualmente e, rapidamente, focar energia para transformá-las.
Afinal, não é somente nos consultórios, estacionamentos ou URAs que vivem os absurdos. Na minha empresa e na sua organização devem existir alguns, urrando para serem resolvidos, com clientes insatisfeitos, prejudicados em sua dignidade.
Nem vou tocar em temas sociais mais sensíveis como a falta de diversidade, a desigualdade salarial, o desafio da inclusão, que são dos maiores absurdos. Ficarei restrito agora às táticas de negócio tóxicas que foram normalizadas nas organizações.
Ainda falta amplitude de visão para muitas pessoas que conduzem as empresas. Quando uma organização usa um robô para chamadas indesejadas sobre planos telefônicos, me parece absurdo. O ônus não deveria ser do cidadão em se cadastrar em serviço da Anatel para bloquear Spams e se livrar da chatice.
Se uma empresa de fast-food cria uma campanha para estimular o uso de seu delivery prometendo entrega em menos de 20 minutos, isso parece bacana, mas tem um efeito colateral terrível de estimular os entregadores a acelerarem ainda mais com risco de vida para todos.
Perto de casa tem farmácia em que o preço do e-commerce é mais baixo do que o presencial. Algumas vezes, na frente de atendentes, entro no site, levando minutos, esperando conexão, para fazer a compra on-line e retirar na loja em que já estou. Normal ou Normose?
Empresas de alimentos processados contribuem de várias maneiras para a sociedade e também oferecem produtos seguros, de qualidade, saborosos. Mas executivos de marcas globais sugerirem a substituição de alimentos frescos em tempos recentes é absurdo.
Pior ainda quando a associação de produtores de alimentos ultraprocessados inicia um movimento de resistência a legislações, sem abraçar estratégias que gradualmente transformem seus produtos na direção de mais saúde para a população.
Ao lado do comitê paralímpico onde treino com meu filho, há grande um centro de eventos. Ele é muito importante para a economia da cidade. Mas está certo gerar um nível de tráfego que trava a Rodovia dos Imigrantes?
Não se deveria pensar em alternativas de intervenção, de algum modelo criativo de mobilidade urbana para não prejudicar a população? Muitos atletas já perderam inúmeros treinos por não conseguirem chegar ao destino.
Nossa primeira tarefa é reconhecer os absurdos que praticamos em nossas organizações, seja para nossos clientes, seja internamente, desmascarando-os para nós mesmos.
A partir daí, é hora de coragem e colaboração para romper paradigmas, parar de empurrar com a barriga legados desbotados e inaceitáveis, aumentar a amplitude de nossa visão para enxergar os impactos de nossas ações com maior abrangência.
Por fim, depois das mudanças, mande aquela sua prática terrível para nosso novo Museu Organizacional do Absurdo. Imagino exibir vídeos do jornalista Boris Casoy, célebre apresentador de telejornais nos anos 1980/90, com seu clássico bordão “Isso é uma vergonha”!
O museu será enorme, mas isso é muito bom, pois indicará que as empresas estarão mais conscientes, responsáveis, transformando verdadeiramente suas práticas de negócios.
Luiz Serafim é apaixonado por inovação, palestrante, professor, diretor-executivo da “World Creativity Day” que organiza o maior festival colaborativo de criatividade do mundo e colunista da BRING ME DATA.
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As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.