Não existe carro elétrico sem petróleo
Carros elétricos, o assunto do momento da indústria automobilística, rompe fronteiras para além de si. Não se trata somente de mais uma tendência evolutiva dos produtos fabricados por ela, tendo se tornado um fenômeno discutido até mesmo de forma “ideológica” em podcasts e afins.
Uma coisa é certa, os carros elétricos e híbridos vieram para ficar dessa vez. Das outras vezes, foram projetos natimortos.
E sim, carros elétricos, em sua concepção fundamental, não são uma novidade. A novidade é o momento histórico de seu ressurgimento que, ao que tudo indica, não poderia ser melhor.
Os debates a respeito desse fenômeno chamam a atenção, que já pode ser caracterizado como um fenômeno “sócio-cultural-econômico”. Debates sob a ótica da engenharia, da sustentabilidade, da geopolítica, economia e, como não poderia deixar de ser, sob a ótica de marketing.
Até mesmo esse velho professor de marketing rabugento já foi consultado a respeito da entrada de uma marca chinesa de carros elétricos em território nacional. Obviamente, não entrarei em detalhes sobre isso aqui, destacando que se trata de um tremendo desafio em termos mercadológicos. Após fazer as devidas considerações estratégicas, passei a bola para os “rapazes” da Macfor.
Em termos mercadológicos, carros elétricos são carros como quaisquer outros. Pessoas compram carros, não compram motores elétricos. Quando a marca que estampa seus capôs é desconhecida, têm-se aí um imenso desafio de marketing.
Um automóvel traz consigo, em maior ou menor grau, um conjunto de significados que devem ser concebidos, planejados e construídos levando-se em conta as demandas conhecidas e desconhecidas do momento histórico que se vive.
Nesse sentido, chegamos a um ponto em que não se pode discorrer sobre carros elétricos sem citar os fabricantes chineses. E isso é impressionante. A velocidade com que os carros elétricos chineses “conquistaram” o mundo é comparável ao impacto causado pela seda, pólvora ou pelo chá.
BYD (Build Your Dreams) já é o quarto maior fabricante de carros do mundo, levando-se em consideração a quantidade de carros vendidos no mês de agosto desse ano. Volvo agora é uma empresa chinesa.
Acima da BYD, somente Toyota (a líder), Volkswagen e Honda, nessa ordem. O primeiro carro da marca foi lançado em 2005. A indústria de carros coreana, em seu projeto de conquistar o mundo, teve seu início nos anos 1970.
Conclusão #01: cuidado com quem tem mais de 5.000 anos de história.
Conclusão #02: ao que tudo indica, a indústria automobilística mundial será liderada e conduzida, em breve, pelos orientais. Como sempre digo em minhas aulas: “Esses orientais… Seres superiores!”.
Em tempo, a BYD surgiu na mesma época que a Tesla.
Dentre muitas coisas a se considerar diante desse contexto, vale recordar que, no início de sua saga de conquistar o mundo, os carros japoneses eram “percebidos” exatamente como os carros chineses à combustão. Algo como um produto descartável que sempre causa frustação e arrependimento.
Deu no que deu. Os carros coreanos conquistaram o mundo a partir de um projeto de nação encampado pelo General Park Chung-hee, o que não teria sido possível somente pelo esforço da indústria local. Deu no que deu.
Voltando à questão mercadológica, seria imprudente não lembrar da máxima de Al Ries & Jack Trout: “Marketing não é uma batalha de produtos, mas uma batalha de percepções”. O apelo mercadológico mais contundente ligado a aquisição de carros elétricos está associado a questão do meio ambiente.
Em alguns debates mais acalorados, parece até mesmo uma vingança ao petróleo, o vilão poluidor do planeta. Em suma, caso você decida comprar um carro elétrico, pode dormir tranquilo, você fez sua parte.
O que pouco se discute é a cadeia de valor cuja “ponta final” é o automóvel elétrico. Vale estudar e se aprofundar sobre o processo de extração de lítio, principal componente da bateria dos carros elétricos, a “ponta inicial”. E por falar em baterias, você saberia qual seu destino quando seu tempo de vida útil chega ao fim? Caso decida pesquisar sobre isso, já adianto que as respostas serão assustadoras.
Carro elétrico na Europa?
Somente 17% da matriz energética de lá provém de fontes renováveis. No Brasil, 47,4%. Carro elétrico na Europa é movido a petróleo, energia nuclear ou, pasmem, a queima de carvão. Boa parte dos componentes do “descolado” Tesla é feita de plástico, cuja origem é o ouro negro.
Muitos argumentos poderiam ainda ser elencados aqui nessa tentativa de contraponto. Nenhum deles seria capaz de mudar a percepção de que os carros elétricos são a salvação do aquecimento global ou coisa parecida.
No caso do Brasil, a situação é diferente. Ouso arriscar que o caminho seria, num primeiro momento, os carros híbridos. A lógica é simples, mais de vinte quilômetros rodados com um único litro de combustível.
Nada como o benefício do bolso mais recheado. Imaginemos um carro de marca conhecida e reconhecida, econômico e bonitinho, com preço bem acessível, fabricado em território nacional e repleto de recursos tecnológicos. Seria um sonho! Chinês, com certeza.
Por fim vale lembrar que uma jazida de petróleo pode levar entre dez e quatrocentos milhões de anos para se formar e que derivados de petróleo estão presentes no chiclete que você está mascando, nos tecidos das roupas com que você está praticando moda, nos alimentos que você se delicia, nos cosméticos de todo santo dia, nos remédios para suportar o mundo que vivemos, no tênis que você usa para ir a balada, no produto de limpeza que utiliza para deixá-lo apresentável, na embalagem da água mineral da ressaca, no asfalto que anda seu carro (ou o carro do Uber que você pega), bem como no pneu que gira sobre ele, além do giz de cera das crianças. Anda de avião? Ele não é elétrico…
Carregamos petróleo em tudo que consumimos. Não há como fugir disso. E isso vai durar por séculos.
Ricardo Poli é professor, palestrante, provocador, piadista e colunista da BRING ME DATA.
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As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.