Nova marca do Itaú: muita publicidade, pouco branding
O fim de ano deve estar agitado lá na Macfor. Essa foi a conclusão imediata desse velho professor de marketing rabugento ao ler a sugestão de pauta enviada pelas meninas do Bring Me Data como inspiração da coluna dessa semana. O Google funcionou e indicou um “pequeno texto curto” publicado no site da B9 sobre a reformulação da logomarca do banco Itaú. Elas mandam, eu obedeço.
Já havia recebido o vídeo “institucional” a respeito dessa mudança de um querido aluno do intitulado “marketing digital”, se é que isso existe. A existência do recurso filmográfico diz muito sobre essa ação de marketing.
Obviamente, trata-se de uma peça muito bem produzida, como não poderia deixar de ser, ainda mais quando se trata do maior banco do país, patrocinador da seleção brasileira de futebol. Fico imaginando quanto já foi e será investido nessa nova empreitada.
A referida transformação da programação visual será motivo de grandes debates, análises e comentários em inúmeros sites, blogs, perfis digitais e afins dedicados a negócios, marketing, branding, comunicação, design, numerologia, astrologia, dentre outros tantos. A força de uma marca que, em breve vai comemorar 100 anos, justifica tal fenômeno.
Em outras palavras, um monte de gente vai se aproveitar daquilo que certamente se tornará notícia, quer seja em função da publicidade promovida pelo próprio banco, quer seja pela campanha de propaganda a ser veiculada por esse anunciante. Em tempos passados de Fórmula 1, isso era chamado de “pegar o vácuo”. Algo como um recurso quase obrigatório para ultrapassagem do carro adversário, se aproveitando do rastro rarefeito deixado por ele.
Falando nisso, uma curiosidade fustiga minha mente há tempos: “Será mesmo que o Lewis Hamilton tem conta no Itaú Personnalité?”
Na propaganda da “versão banco para poucos” do Itaú, em que o melhor piloto da atualidade foi protagonista, fica quase evidente que sim. Mas ainda assim tenho certa desconfiança e a curiosidade de saber se o cachê do piloto foi depositado na mesma instituição financeira. “Pura* divagação inútil!”, deve ser o pensamento que aflora à mente do acidental leitor da coluna nesse exato momento. Voltando…
Logotipos mudam sem que marcas necessariamente mudem. E marcas mudam sem que logotipos mudem obrigatoriamente. Marcas podem existir sem logotipos ou qualquer outro tipo de manifestação visual. A existência de um logotipo, ou de qualquer outra manifestação associada a ele, não garante a existência de uma marca.
Marca, antes de tudo, é um conjunto de ideias capaz de gerar um conjunto de significados e um conjunto de associações. Pode ser propositalmente criado e deve considerar “ideias e ideais” de onde se origina, bem como de quem se destina tal conjunto de ideias. A proporção pode variar. A intenção aqui não é criar uma confusão mental, acredite.
Marcas centenárias populares, como a do Itaú, estão presentes na mente de milhões de pessoas, ainda que elas não a desejem necessariamente. É natural que a expressão visual de marcas se transforme, afinal, o mundo muda todo santo dia. Ainda assim, algumas nunca mudaram, como Coca-Cola, Johnson & Johnson, Chanel, Sherwin-Williams, Goodyear, por exemplo.
Batendo os parágrafos anteriores no liquidificador presente em sua mente pode-se chegar à ideia central de que a criação de uma marca potente é resultado da intersecção daquilo que pretende oferecer ao mundo e aquilo que o mundo necessita e deseja, seja qual for o mundo em questão. Em outras palavras, marcas devem ser criadas para o mundo, levando-se em conta o mundo de onde se origina. Um “match” entre o esperado e o inesperado.
Vale ressaltar que se trata de um processo de marketing, fundamentalmente. A esse processo se dá o nome de branding. Fica a observação de que se trata de duas palavras em gerúndio, ou seja, em constante movimento e transformação. A velocidade da transformação é assunto para outra coluna.
Vale ressaltar também que processos eficientes de marketing podem ocorrer sem a existência de um processo de branding. Essa verdade incomoda muitos gerentes, diretores e gurus do branding, o que não a invalida em absolutamente nada.
Façamos o seguinte exercício: “Qual a marca da pazinha que você mexe o café na padaria? E da xícara? E do guardanapo utilizado para remoção dos resíduos dessa iguaria de sua face?” Garanto, com total e absoluta certeza, de que as empresas fabricantes desses produtos podem ser casos de sucesso em vendas e rentabilidade. No caso da pazinha, sei de um caso em que seu CEO tem remuneração mensal muito superior à de CMO´s de qualquer instituição financeira nesse país.
Isso posto, consta-se que a mudança do logotipo e programação visual do Itaú é uma mudança de logotipo e programação visual, nada além disso.
Não se trata de uma mudança efetiva de branding.
O conjunto de ideias inerente à marca permanece o mesmo, ainda que o novo slogan seja uma tentativa para isso. “Feito de futuro” é a nova verbalização da marca. Meu instinto provocador me leva a crer que “feito de futuro” é aquilo que é “feito de nada”, visto que o futuro não existe, segundo aquilo que determina a velha filosofia.
Ainda no terreno da provocação, vem o fato do tempo gasto para transformação da logotipia, 22 meses. Além disso, foram “mais de 70 estudos de cores, cerca de 100 estudos tipográficos e outros tantos de logotipia, que reavaliaram forma, cor, fontes, grafismos e expressões”. Tudo conduzido por uma empresa americana selecionada para consultoria estratégica do projeto. A questão estratégica inevitável que surge nessa mente perturbada é: “Jura mesmo?”
No vídeo de lançamento, se diz: “A reta agora é curva.”. “Ou é reta ou é curva, reta-curva não existe”, como dizia esse ainda muito novo professor de matemática rabugento. Os puristas da matemática certamente dirão que toda reta é uma curva, mas o contrário não vale. A eles, digo que se trata aqui de um papo de marketing. Logo, repleto de impurezas.
Novamente, fico imaginando o quanto foi e será investido nessa nova empreitada. O resultado final me parece frustrante diante daquilo que nem consigo imaginar com a mínima precisão. Arrisco a dizer que alguns bons alunos do imaginário “marketing digital”, aqueles que estudaram minimamente o “bom e velho marketing”, teriam alcançado resultados próximos, semelhantes ou, até mesmo, superiores.
Por fim, fica a confirmação de que a nova programação visual ficou bem bonitinha e a certeza de que muita gente irá falar sobre o ocorrido. Tudo isso me faz lembrar uma frase presente na letra da música de um grupo de rock gaúcho pelo qual tenho muito apreço:
“Todo mundo tá revendo o que nunca foi visto.”
Ricardo Poli é professor, palestrante, provocador, piadista e colunista da BRING ME DATA.
Cadastre-se para receber a BRING ME DATA toda segunda para não perder as principais novidades e tendências do mercado com opiniões de grandes especialistas.
As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.