O acidental leitor dessa coluna, com toda certeza que pode existir, não deve ter notado sua inexistência nas últimas três semanas no blog Bring Me Data. Um desapercebido mosquito, e sua picada virótica nada falível, foi o responsável por tal ausência pouco percebida. Ossos do ofício. Saudade da coluna? Acredito que só exista aquela proveniente das infalíveis meninas da MACFOR. Para a ciência de muito poucos, estou de volta! E ainda mais rabugento.
by Freepik
O momento não poderia ser o mais propício, tendo em vista a recente polêmica comunicacional estabelecida entre Apple e Samsung. Nada como um entrevero no mundo do marketing para que esse se regozije de opiniões, palpites ou pitacos dos mais variados tipos, tamanhos e formas.
Confesso que escrever sobre o ocorrido, para além do senso comum, é um grande desafio. Não por conta do “toró” de pretensiosos comentários rasos em busca de likes, mas em função de raras e profundas análises sobre a propaganda no novo iPad e a réplica impetrada pela empresa coreana. Que fique claro que o nível de profundidade pouco está associado à quantidade de palavras que são dedicadas ao tema, mas muito mais em função de quais são elas e de seu encadeamento.
Isso posto, e partindo do pressuposto de que tais peças de comunicação já foram degustadas pelos acidentais leitores, vale recordar que o “porquê existencial” da Apple, desde o início de sua história, gira em torno de: “Nós existimos para desafiar o status quo”. Nada mais simbólico do que uma maçã mordida para representar isso, não? Em tempo: nunca soube quem veio primeiro, o “why” da Apple ou seu logotipo. De qualquer forma, um casamento perfeito.
Tal propósito existencial sempre foi facilmente reconhecido em tudo que a empresa americana fez em termos da criação de produtos e de ações de comunicação, ainda mais nos tempos de Steve Jobs. Levando-se em conta a forma de se mostrar ao mundo, a Apple chega a ser incomparável, ainda mais em relação a sua principal concorrente – no caso de telefones, tablets e afins – a Samsung.
Não se trata de um juízo de valor, somente de opções estratégicas diferentes. Afinal, ambas são casos de sucesso mercadológico. Tal dicotomia sempre foi um bom subsídio para esse velho professor de marketing destrinchar em suas aulas conceitos fundamentais relacionados a posicionamento e ao tão famoso “marketing-mix”.
Na prática, constata-se, sem muito esforço, que os apelos de comunicação relacionados aos produtos da Apple são muito mais calcados em benefícios e, principalmente, nos valores da marca. No caso da Samsung, o apelo é mais focado em atributos e benefícios, numa proporção que pode variar. Já fica aqui o meu pedido de perdão por descrever algo tão óbvio.
Assim sendo, a nova propaganda da empresa da maçã mordida para o lançamento do seu novo iPad, que não foi criada e executada por nenhuma agência de propaganda, causou admiração e repúdio. Para uma parte dos fãs da marca, nada mais alinhado ao que a Apple sempre fez. Para outra parte, numa proporção que nunca se saberá, a maçã foi mordida com muita voracidade.
Particularmente, quero acreditar que a Apple não fez uma aposta na polêmica com intuito de gerar “likes e dislikes” para assim estar presente na “boca do povo” das redes sociais. Posso estar engando.
O que de fato soa estranho é falta de criatividade e a concretização equivocada da razão existencial da Apple expressos no anúncio. Jobs nunca fez chacota do que veio antes dele, pelo contrário, muitas de suas inspirações vieram de poços escavados muito antes dele existir. Ainda me recordo de utilizar um de seus discursos de formatura, em que defendia a importância de uma boa caligrafia como forma de expressão, para justificar os descontos que aplicava em notas de prova por ter que ler algo cuja forma era abominável.
Ouso afirmar que Jobs jamais aprovaria uma campanha como essa. Uma novidade que faz questão de ser associada à destruição é um apelo infantil, no mínimo. O falecido CEO sempre apostou na novidade a partir da evolução, ainda que para isso paradigmas fossem quebrados por meio de uma marreta arremessada na tela de um cinema. Em outras palavras, a propaganda atual do iPad é uma “bad vibe”, algo que não combina, e nunca combinou, com a razão existencial da famosa maçã mordida.
Aposto algumas fichas que caso tivesse sido criada e executada por uma agência minimamente inteligente, teria frutiferado algo certamente mais disruptivo e evoluído. Querer fazer tudo dentro de casa pode trazer alguns problemas, algo como uma grande reforma sem um arquiteto.
Que a Apple andava dando algumas escorregadas estratégicas em relação à criação de novos produtos, já era sabido. Seu projeto de automóvel e de “óculos virtuais” são exemplos emblemáticos disso. Entretanto, jamais pensei ser possível um dia criticar de forma negativa alguma de suas campanhas publicitárias.
Quanto à Samsung, pode-se afirmar que aproveitou com muito bom gosto da ocasião, ainda que isso tenha gerado mais visualizações da propaganda da Apple. Com toda certeza que possa existir, o novo iPad será um sucesso em termos de unidades vendidas.
Saudades de todos vocês que nunca vi e não tenho a mínima ideia de quem sejam.