Após uma sincera chantagem emocional melancólica impelida por esse velho professor de marketing rabugento junto às implacáveis meninas da MACFOR, essa coluna volta a ser publicada semanalmente. Obviamente, tal retorno não poderia ter sua origem a partir de um apelo racional de algum leitor ou leitora dessa coluna. Assim é a vida. Prometo melhorar num futuro bem breve.
E por falar em futuro, a pauta sugerida para confecção desse periódico emaranhado de palavras tem como matéria-prima uma coluna publicada no início desse mês num blog intitulado Silicon Hills News. Não vou me ater aqui a promover a discussão dos pormenores do que Amy Webb, CEO da organização Future Today Strategy Group (FTSG), fez em sua palestra e que foi narrado no artigo de Laura Lorek. Basta clicar no link para saber quais são eles.
Vale ressaltar que Amy é a fundadora da instituição que produziu um relatório com cerca de 1000 páginas intitulado Relatório Anual de Tendências Tecnológicas. Fica fácil concluir, então, que se trata de alguém que dissipa para o mundo ideias a respeito daquilo que sua própria organização produziu. Logo…
O que chama a atenção, logo de cara, é a qualificação impelida a referida CEO pela autora do artigo: “renomada futurista”. Deixando a ranzinzice calibrada no nível mais baixo possível, hei de considerar que a primeira qualificação se faz prudente. Afinal, Amy expôs suas ideias num evento importante e reconhecido no meio em que atua. Entretanto, a segunda qualificação ultrapassa o limite de calibração mínimo.
Ao que tudo indica “futurista” passou a ser uma qualificação profissional ou até mesmo uma profissão. Algo semelhante aconteceu com a profissão de professor por conta do imaginário mundo do “marketing digital”. Em outras plavras, qualquer pessoa com presença digital se mete a falar sobre determinado assunto por menos de meia hora e chamar isso de aula. Também não entendo por que técnicos de times de futebol são intitulados como professores por seus jogadores. Quero acreditar que seja uma forma de expressão de profundo respeito.

O que diabo significa ser futurista? Deixando de lado a vertente das mais variadas formas de esoterismo, tal termo me intriga profundamente. A impressão que vem à mente é de um amontoado de chutes em direção a um gol chamado futuro. Caso algum deles se concretize, seu autor se consagra. No próximo ano, novas jogadas são elaboradas e treinadas para ao menos um tento acerte o enquadramento desejado.
Assim aconteceu com a pandemia. À época, esse escrevinhador metido a colunista recebeu inúmeros relatórios de tendências e futurologia a respeito do mundo após o fim desse período insólito. Nunca surgiram tantos batedores de falta em busca de um gol mágico inesquecível. Recentemente, me propus a rever alguns deles. Daí a origem de minha face ranzinza diante desse tipo de assunto.
A vantagem de se meter a ser futurista em tempos atuais é que a saraivada de previsões vem de todos os lados e ocorre numa escala tão exorbitante que ninguém se mete a voltar ao passado para checar se aquilo se concretizou ou não. O foco fica naquilo que está “hypando” no momento, ainda que no presente sejam necessários os devidos ajustes. Os gurus futuristas são professorais nesse sentido. Sempre dão um jeito de recuperar algo do passado como sendo uma previsão do futuro que agora é presente. A frase típica geralmente é: “Foi isso que eu quis dizer naquele momento”.
A Inteligência Artificial (IA) tem deixado o mundo turbulento. Isso é fato inegável. Mas vale a pergunta: “Qual mundo?” Os apostadores de futuro fazem questão de reduzi-lo somente a vertente tecnológica. Uma frase típica de suas palestras inebriantes é sempre dita com requintes de dramaticidade: “Vivemos em um mundo em grande transformação!” Em resposta a essa dramaticidade uma pergunta surge em minha mente: “Jura mesmo? Quando o mundo não esteve em transformação?” Um ousado e corajoso estudante diria em sala de aula: “Mas a velocidade nunca foi tão grande como agora!” A ele responderia: “Será mesmo?”.
Grandes transformações tecnológicas não são uma novidade na história da humanidade. Outras existiram e causaram impactos semelhantes ou maiores do que a IA vem causando atualmente. E como alguns futuristas tecnológicos fazem questão de esquecer, elas não são as únicas. Muitas outras ocorrem concomitantemente, invevitavelmente influenciando umas às outras. Transformações de ordem cultural, econômica, antropológica, social, política, além daquelas que poucos conseguem enxergar.
Para ousar falar de futuro é preciso, antes de tudo, dominar o passado. Quem assim o faz, nem se arrisca a fazer previsões mirabolantes. Geralmente, sabem onde vão ocorrer as transformações, mas pouco arriscam a dizer quais vão ser elas.
Em sua lista de previsões futurólogas, Amy Webb prevê “um período de décadas de expansão econômica”. Eu adoraria vê-la em um debate de alto nível com alguns economistas especializados em geopolítica a respeito desse assunto. Haja pipoca. Em outro momento ela afirma: “As decisões tomadas na próxima década irão determinar o destino a longo prazo da civilização humana”.
Ouso afirmar que essa mesma frase foi dita inúmeras vezes no passado. Apostaria nisso?
Ricardo Poli é professor, palestrante, provocador, piadista e colunista da BRING ME DATA.
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As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.