Ainda não concluí se a pauta sugerida pelas meninas da MACFOR para construção dessa coluna foi um ato ingênuo ou provocador. Mesmo sem saber a tônica do assunto a ser comentado, criei expectativas em torno de algo prazeroso de ser debatido, visto que o apelo persuasivo das referidas interlocutoras tenha sido o famoso “lugar de fala”. Comecei a desconfiar a partir desse ponto, visto que tal conceito é, por si só, traiçoeiro por princípio. Se levado ao pé da letra radical, como muito se usa por aí, médicos ginecologistas deveriam mudar de profissão.
Imagem: Newsroom Pinterest
O conteúdo gerador dessa coluna é o “estudo” recente da plataforma Pinterest a respeito do comportamento de consumo do universo masculino. Intitulado como “Relatório de Tendências Masculinas do Pinterest: como os homens estão redefinindo a masculinidade com estilo, propósito e autocuidado”, trata-se mesmo de um relatório, não de uma pesquisa e tampouco de um estudo. Após ler o dito cujo na íntegra, acredito que se trata mesmo de um amontado de dados coletados, e bem-organizados, da própria plataforma com intuito de torná-la reconhecida como um veículo de mídia. Logo…
Tudo passa a ser questionável quando se constata que o relatório tem como base de dados aquela formada por homens das gerações Z e dos Millennials, referenciados somente em função do período de tempo em que nasceram. Não vou entrar novamente nessa seara junto aos acidentais leitores dessa coluna. Essa rotulagem passou a ser um padrão utilizado em inúmeros papos sociológicos, mercadológicos, filosóficos e por aí vai. Vou continuar insistindo que se trata de uma rotulagem conveniente e preguiçosa. Enfim…
O primeiro incômodo do dito relatório vem de seu próprio título. Até aí, tudo bem. Apelos “chamariz” incentivam a leitura de quem normalmente não daria muita atenção ao assunto. A partir daí, nota-se as primeiras pitadas da tentativa de convencimento de que a amostra referência do relatório é representativa ao universo masculino do planeta que nasceu no período das referidas “gerações mais letra”. Segundo a plataforma, os homens representam cerca de um terço de sua audiência global.
Uma breve pesquisa “googleniana” aponta que o total de usuários do Pinterest no mundo gira em torno de 478 milhões de usuários. Desses, 70% são mulheres. Já dá para começar a desconfiar da consistência das conclusões apontados no estudo, não é mesmo? Afinal…
Logo de cara, uma frase chama a atenção: “Os dados mostram um grupo masculino diverso e curioso, que rejeita boa parte das toxicidades vistas em outros lugares da internet e se conecta com conteúdo de formas positivas e autênticas, muitas vezes surpreendentes.” Ao se deparar com isso, é inevitável a presença de um grande ponto-de-interrogação à mente. Como mediram o índice de rejeição? Como conceberam uma “conexão positiva e autêntica”? “Muitas vezes” significa quanto? “Surpreendentes” a partir de qual referência?
Não se trata somente da já costumeira rabugice desse velho professor de marketing, mas de um pouco de sagacidade. A isso, se soma o mecanismo de linguagem utilizado no relatório para enfatizar transformações favoráveis do cenário sociocultural do macroambiente, vulgo oportunidades para marcas anunciantes. Todos os fenômenos, da prática do Pilates aos momentos de “paternidade inteligente”, são retratados em função do crescimento do interesse dos usuários masculinos “pintesterianos” sobre determinado tema ou prática de vida.
A título de exemplo, o relatório afirma que “buscas por temas como fotos de momentos especiais do bebê” cresceu cerca de 415%. Por mais incrível que possa parecer, o pseudo-estudo não faz qualquer referência ao período em que isso ocorreu. Não informa se o ocorrido se deu na última semana, quinzena, mês, semestre ou ano. E mais: 415% a partir de que número absoluto? Sim, isso faz muita diferença. Em outras palavras: 415% de quanto?
Chega a ser divertido ler algumas afirmações de autorreferência citadas: “65% dos homens no mundo todo querem mostrar quem realmente são no ambiente online”, “quase metade dos homens no Pinterest se considera inovador e adepto das novidades”, “quase metade dos homens da Geração Z e Millennials diz ser fiel às marcas que ama e faz questão de pesquisar produtos online antes de comprar”.
Diante dessas brilhantes conclusões cabe a pergunta: “Jura mesmo?” Ou: “Foi preciso gastar tempo e dinheiro para se chegar a essas conclusões?” Em tempo: essas maravilhas são citadas no dito relatório como resultado de uma pesquisa da plataforma de insights de público GWI.
Nada contra a elaboração do relatório, que fique bem entendido. O problema está mais em sua denominação do que em seu conteúdo. Não se trata de uma pesquisa ou de um estudo científico. Basta mudar o nome da chamada do artigo que tudo fica bem resolvido. Que se denomine como algo em torno de “investigação mercadológica sobre alguns hábitos dos usuários masculinos do Pinterest” ou qualquer coisa nesse sentido. Mas não muito além disso. Bem pouco, na verdade.
Por fim, mesmo assim, vale a leitura do relatório.
Mais como fonte de distração e curiosidade do que como fonte de informação para tomada de decisão.
Ricardo Poli é professor, palestrante, provocador, piadista e colunista da BRING ME DATA.
Cadastre-se para receber a BRING ME DATA toda segunda para não perder as principais novidades e tendências do mercado com opiniões de grandes especialistas.
As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.