O melhor remédio para um remédio é se tornar um produto
Esperando não causar um mal-estar aos acidentais leitores dessa coluna, o tema dessa semana sugerido pelas meninas da Macfor se refere ao fenômeno mercadológico do já famoso Ozempic e seu impacto na indústria do bem-estar.
Por freepik
E sim, o “bem-estar” se tornou uma indústria há muito mais tempo do que se possa imaginar. Pode-se considerar que a existência do refrigerante mais conhecido do mundo tenha suas origens nos primórdios dessa indústria.
Vale pontuar o que se entende por indústria, ainda que sob o ponto de vista desse velho professor de marketing rabugento. Como intuito de facilitar tal entendimento, considera-se para fins da leitura dessa coluna o binômio “oferta & demanda”, todo os stakeholders envolvidos na ponte que liga essas duas variáveis e todas as forças que agem por esse caminho.
E, como sempre gosto de lembrar, existem forças que são controláveis, parcialmente controláveis e incontroláveis.
Em outras palavras, toda e qualquer indústria está à mercê de forças, mas também é responsável pela ação de forças que ela mesmo produz.
E isso acontece por meio da execução de estratégias de marketing, impreterivelmente. E isso vai muito além dos processos de comunicação, certamente. Afinal, a criação de um produto é fundamentalmente um processo de marketing.
Mas, o inesperado pode trazer algumas surpresas. Boas ou ruins.
O fenômeno Ozempic não é novo. Já havia acontecido algo parecido com o Viagra, carinhosamente apelidado de “trovão azul” pelo já falecido genitor desse que vos escreve. Os casos são semelhantes, onde a indústria farmacêutica desenvolve um novo medicamento que acaba por ter seu uso para além do uso concebido inicialmente.
O Viagra deixou de ser remédio para se tornar algo ligado à indústria do entretenimento. O ponto crucial para que isso acontecesse foi a dispensa da necessidade de receita médica para aquisição do medicamento.
Nesse momento, deixou de ser um remédio para ser um produto. Ainda me lembro de alguns de meus alunos estagiários da Pfizer no auge do Viagra (juro que não é uma ironia) ao me revelarem que o maior consumo da pílula azul acontecia entre os jovens com idade entre 18 e 35 anos.
Algo semelhante acontece com o Ozempic que, concebido como um remédio para diabéticos, virou um produto ligado a indústria do bem-estar, cuja demanda se origina de um mercado imensamente maior.
Nos EUA, já existem relatos de muitos diabéticos com dificuldade de encontrar tal medicamento para uso regular. O fabricante do Ozempic já previa isso? Acredito que não, assim como o fabricante do Viagra ao desenvolvê-lo como um remédio para cardíacos.
O que mais chamou a atenção na fonte indicada para confecção desse artigo é o fenômeno das tendências do “bem-estar”. Trata-se de uma indústria complexa, pois está entrelaçada a muitas outras, como a farmacêutica ou a das startups, por exemplo.
Quantos aplicativos surgiram nos últimos tempos com intuito de fazer com que um individuo cuidasse de sua saúde 24 horas por dia?
Muitos devem se recordar de um programa de emagrecimento chamado “Vigilantes do Peso”. Por onde andam essas pessoas? Quantos programas semelhantes surgiram depois dele? Nesse tempo, a grande ideia era perder peso pela disciplina, força de vontade e de forma natural, ou seja, sem “roubar no jogo” pela ingestão de remédios ou substâncias “semelhantes”.
Tais programas também tiveram sua demanda afetada por questões de ordem cultural de apelo “be yourself”, uma contrapartida à imposição do padrão de beleza dos “magros & sarados”. Também foram afetados pela evolução da medicina, especificamente em relação às técnicas de cirurgia bariátrica.
Assim sendo, por uma questão de sobrevivência, acredito que alguns desses programas devem estar repensando seus propósitos originais de existência estratégica e aceitando incluir medicamentos como forma de se alcançar resultados para seus usuários.
Um lado irônico desse contexto é que o sucesso do Ozempic, estrondoso por conta de sua eficácia, acabou se sobrepondo às questões do “be yourself” rapidamente.
Nada como roubar no jogo sem culpa. O padrão estético do “magro & sarado” ainda prevalece, o que deixa o fabricante do referido remédio muito seguro e tranquilo. Ainda mais sabendo que o uso do medicamento tende a ser eterno por seus usuários, visto que ao deixar de fazer uso do produto, tudo volta “ao normal” muito rapidamente.
Ozempic, de fato, é um baita produto, que coincidentemente é um remédio.
Fica claro então que uma demanda está sob influência de pressões mercadológicas que podem afetar de forma contundente a essência de alguns negócios. Algo como a ação do vento contra um barco à vela. De um instante para outro, se faz necessário mudar as velas de direção. Quem mudar mais rápido, sobreviverá por mais tempo.
Ricardo Poli é professor, palestrante, provocador, piadista e colunista da BRING ME DATA.
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As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.