Tudo por um boa causa?
Recomendo ao acidental leitor dessa coluna que a degustação da mesma seja precedida pela leitura dessa matéria publicada pela BBC NEWS BRASIL em 18/5/2023.
Comentar tal notícia é um grande desafio, ainda mais por ser algo referente ao contexto específico da cultura americana. Vale ressaltar que parte da cultura de uma civilização tem uma dimensão relacionada a seus hábitos de consumo, obviamente.
A cultura de consumo é também reflexo de uma história sociocultural e algo fundamental para o desenvolvimento de novos produtos ou serviços, ou seja, marketing. Entretanto, o que é esquecido por muitos é o fato de que a comunicação de um produto ou serviço é o próprio produto ou serviço. Assim como o preço infringido a ele ou o local onde está disponível para sua aquisição.
O bom e velho “Al Ries & Jack Trout” resumiu essa concepção na célebre frase: “Marketing não é uma guerra de produtos, é uma guerra de percepções.” No contexto descrito na matéria da BBC isso é levado ao extremo. Tudo se mistura: interesses políticos, morais, corporativos, sociais, financeiros, dentre todos os outros existentes.
Tudo fica tão complexo a ponto de não ser possível analisar com precisão. Quem diria que a Disney e Delta Airlines sofreriam retaliações dos governos de seus respectivos estados-sede (Geórgia e Flórida) ou que as empresas fabricantes da Bud Light e dos cosméticos Olay fossem boicotadas a ponto de sofrerem baixas em seus valores acionários, ainda que ínfimas? Tomemos a citação da referida matéria…
“Enquanto isso, dezenas de estados estão considerando propostas destinadas a impedir o governo de fazer negócios com empresas financeiras que levem em consideração fatores ambientais, sociais e de governança ao fazer investimentos — o que custou à BlackRock, um dos principais alvos da campanha, mais de US$4 bilhões em fundos de clientes desde janeiro.” (sic)
Isso é o sonho do país da liberdade? Jura mesmo? Se recusar fazer negócios com empresas que valorizam questões ambientais, sociais e de governança? Jura mesmo?
Há de se aprender com essa realidade. Nas consultorias ou aulas de branding sempre recomendo que se fuja de questões relacionadas “ao marketing da causa”. Trata-se de um terreno perigoso onde repercussões são incontroláveis em tempos de sociopatia digital.
Muitas marcas têm se arriscado nesse sentido, muito mais pelo modismo de marketing do que pela real adesão a uma causa. E quando a mínima contradição é constatada por alguém, uma gota no oceano vira o oceano todo, ainda que por pouco tempo
Entretanto, tal processo vem se intensificando e demandas de causa passaram a ter origem para além dos consumidores de uma determinada marca. Empresas acabam sendo pressionadas por colaboradores e postulantes a colaboradores, entidades da sociedade civil, governos e por qualquer outro stakeholder que se possa imaginar.
O mais enigmático está na possibilidade de cada um deles estar exercendo pressão em direções opostas, o que acaba se configurando como um grande fogo cruzado difícil de ser evitado e administrado. Sobra para o pessoal de relações públicas.
Recentemente, participei de uma reunião com uma ex-aluna diretora de recursos humanos de um grande banco digital. Ela fez uma longa exposição a respeito da “pressão pelas causas” advinda de postulantes a empregos na área de TI, uma mão-de-obra muito valorizada em tempos atuais. Mais do que uma pressão, uma exigência condicionante ao aceite da contratação.
Passado meu estado de estranheza, ousei recomendar a ela uma saída ao estilo “leão da montanha” (entendedores entenderão…). “Não revele as políticas sociais, de diversidade ou de inclusão de sua empresa. Se o postulante intrometido (e metido) lhe perguntar sobre isso, responda que é política da empresa não fazer publicidade de suas ações de inclusão. Caso fizesse, elas perderiam total sentido de existir.” Que ele descubra por si mesmo, na prática, como isso se efetiva, recomendei.
Propaganda da causa é só um artifício de marketing. Sempre. A principal função social de uma instituição é remunerar bem seus funcionários para que tenham condições de transformar o mundo como queiram. Na sua empresa, quanto ganha a tia do café? Aposto que você não sabe, ainda mais se for um “descolado engajado” da área de TI.
Ricardo Poli é professor, palestrante, provocador, piadista e colunista da BRING ME DATA.
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As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.