A Volks e o conflito de gerações
“De preferência, fale por último.” Essa frase se tornou um dos principais conselhos “palpiteiros” com que esse velho professor passou a presentear alguns de seus alunos em papos de corredor.
A justificativa é clara: “O discurso de quem vem antes de você pode se tornar sua munição.” Em função do título acima, o acidental leitor já deve ter entendido que essa coluna é a prática daquilo que sempre foi recomendado.
Assim sendo, e como já é sabido, muito se comentou a respeito da campanha de 70 anos da Volkswagen no Brasil, aquela em que mãe e filha, cantoras, dirigem o mesmo carro de modelos que representavam cada uma das gerações em questão.
No segundo seguinte à primeira veiculação, abriram-se as portas para os mais “renomados analistas de plantão influenciadores da internet” despejarem seus conteúdos polêmicos para ganhar seguidores.
Milhares de pessoas passaram a competir pela “oferta em primeira mão” da nova propaganda e, a reboque de suas análises brilhantes. Houve quem ousasse criticar a letra da famosa música de Belchior, associando Elis Regina ao símbolo típico da geração que “fica em casa contando vil metal”. Pasmem! O que não se faz para ganhar audiência.
A questão é simples. É só uma propaganda, nada além disso. Muito bem produzida, por sinal. Institucional, não promocional, ou seja, não intenta vender produto algum, como algum “expert” publicou em um blog. Mesmo porque, o produto em questão não está disponível para compra nas concessionárias da Volks.
Nada mais do que um filme que celebra a presença de um fabricante de automóveis que chegou no país há 70 anos. Talvez a marca de automóveis mais conhecida do Brasil, o que dispensaria a locução ao final da peça, desnecessária e típica de quem ainda precisa evoluir em termos de linguagem. Coisa que deve ter sido imposta pela diretoria de marketing à agência de propaganda, com toda certeza. “É preciso dizer o óbvio.”
Nota-se que se trata de uma análise eminentemente técnica. O resto é questão de gosto. E gosto não se analisa. A propaganda mexeu, de formas diversas, com o coração e alma de muitas pessoas. Principalmente em função da geração de seus espectadores. O impacto foi da “admiração emotiva” ao “desgosto racional”.
A título de exemplo, esse rabugento professor, ao ver a propaganda, sentiu profunda admiração emotiva, que se concretizou numa palavra que jamais poderá ser escrita aqui. Fácil de se entender, tendo em vista que as duas principais personagens do filme marcaram sua trajetória pessoal quando ainda estavam vivas. Foi inevitável a emoção ao ver a Elis e a Kombi juntas.
É fácil de entender que tal emoção não seria natural em alguém que nasceu após o ano 2000. Não se pode esperar a mesma coisa. E o que se pode esperar como reação tem o mesmo valor da reação provocada nesse que aqui escreve. De resto, só restaram análises políticas, sociológicas, psicológicas, filosóficas e de qualquer outra natureza semelhante, que levaram seus leitores do nada ao lugar nenhum.
Mas eis que surge o CONAR! O conselho de autorregulamentação, ou seja, uma organização formada por entes do mundo publicitário para analisar e julgar o próprio mundo publicitário. Algo que confesso, nunca entendi muito bem e, por conta disso, me levou a crer que se trata de uma entidade cuja existência é marcada pela inutilidade. Pois é, até mesmo o CONAR decidiu se promover às custas dos 70 anos da Volkswagen.
Segundo o nobre órgão, o processo foi instaurado em função de queixas de consumidores. Em tempo: “Alguém aí, que é consumidor final como eu, sabe o telefone do CONAR?”. Será avaliada a questão ética do uso da ferramenta de IA para “ressuscitar” uma pessoa e adicioná-la a um filme de propaganda. E não para por aí. Serão levados em conta o princípio de respeitabilidade (à personalidade e à existência da artista) e o princípio da veracidade.
Veracidade? É isso mesmo? Se a moda pega, logo as propagandas vão se transformar exclusivamente em documentários da vida real. Dê adeus ao mundo da fantasia. Caranguejos e tartaruguinhas não poderão ser protagonistas em propagandas de cerveja, carros, roupas ou chocolate. Ironia, deboche ou provocação ao concorrente, tudo corre o risco de se tornar proibido.
A questão é de coerência. Por que o nobre referido órgão demorou décadas para questionar propagandas de forte cunho preconceituoso que foram vinculadas por anos a fio? A pressão dos concorrentes da Volks deve estar pesando nessa balança ou o referido órgão viu a oportunidade de ganhar certa notoriedade, já que estava há muito tempo jogado na vala do esquecimento.
Alguém acredita mesmo que o café da manhã da família brasileira é igualzinho ao que aparece na propaganda da margarina? Ou que o trânsito das grandes metrópoles está sempre livre ao final da tarde para você passear com o novo modelo do carro que acabou de ser lançado? Você acha mesmo que a modelo brasileira mais famosa do mundo usa, de fato, a marca de shampoo da propaganda em que ela é a protagonista?
Quando a propaganda não foi também fantasia, criatividade ou ficção? Respeitados os valores da Constituição, que a imaginação não tenha limites, e que o julgamento venha da opção de o consumidor comprar ou não comprar os produtos de determinada marca.
Parabéns à Volkswagen pelos 70 anos de Brasil!
Que consiga logo desovar seus estoques para que seus colaboradores voltem das férias coletivas rapidamente.
Ricardo Poli é professor, palestrante, provocador, piadista e colunista da BRING ME DATA.
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As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.