Após algumas semanas ausente por motivos alheios ao próprio controle, esse velho professor de marketing rabugento retorna para a última coluna do ano. Coincidentemente, a septuagésima. Fica aqui a “promessa de ano novo” de não mais deixar de escrever semanalmente para esse primoroso blog, seja qual for a intempérie inesperada que a vida porventura trouxer em forma de surpresa. Uma promessa a ser cumprida com imenso prazer.
Acompanhada dessa primeira, vem aquela de todo santo ano: perder uma quantidade significativa de massa corporal gordurenta. Essa a ser realizada sem o mínimo prazer. Diante da combinação de grandiosos desafios, nem ouso pensar numa terceira. A cada coluna escrita, meio quilo a ser perdido. O balanço do prazer ficará zerado, a massa corporal mais leve e as prodigiosas meninas da MACFOR ainda mais felizes.
Voltando o olhar para o ano quase passado sob o crivo de marketing, mais especificamente da quantidade de ações de comunicação digital geradas por fenômenos “hypantes”, surge o inevitável ímpeto adolescente de proferir sábias frases como: “Num falei?”, “Bem que avisei!” ou “Já sabia disso…”. De forma mais adulta e elegante, relembro os inesperados leitores dessa coluna que já vinha comentado a respeito desse fenômeno desde o ano passado de fato.
Nesse ano, o processo potencializou-se significativamente e, para o ano que vai começar a partir da segunda quinzena de janeiro, ouso afirmar que crescerá ainda mais. Parece que se tornou moda para muitas marcas, ou “tendência” como diriam seus prodigiosos profissionais de marketing. Pessoalmente, nada a favor, nada contra. Profissionalmente, fica a lamentação.
Duas vias de acesso ao “hypante” ficaram explícitas durante o referido intervalo de tempo. Uma delas foi a tentativa que algumas marcas fizeram para serem elas mesmas o fenômeno polêmico a ser incessantemente compartilhado por meio de suas redes sociais. Foi o caso do senhor Bengala com o Burger King, da PPK da Claudia com a Gillette Venus e do mais recente “rebranding” da Jaguar, dentre outros tantos.
A outra via, mais barata e sem requerer qualquer esforço de criatividade, aconteceu por meio de se aproveitar, com a velocidade da luz, de inesperados fenômenos “hypantes” com intuito de ser o “papagaio de pirata” da fotografia do museu ou a “rêmora do tubarão” do filme da National Geographic.
Muitos diriam: “Mas funciona, professor!”. A essa ação minha reação: “Será mesmo?”. A tréplica viria: “Os números comprovam! Obteve milhões de visualizações e comentários!” A réplica seria: “E daí?” Desde quando a quantidade de “views”, comentários ou seguidores reflete algum resultado efetivo em relação ao desempenho comercial de uma marca? Existe uma relação direta efetivamente quantificável nessa relação? Os profissionais do chamado “marketing digital” não dariam prosseguimento ao embate. Os executivos de marketing das marcas tentariam o golpe final com a flecha certeira do “awareness”.
Pois bem, pode ser que sim, pode ser que não. Que os fenômenos “hypantes” trazem, de fato, um ganho de awareness relevante, é inquestionável. Mas por quanto tempo? Essa é grande questão! “Hypes” são eminentemente caracterizados por seu pequeno “shelf life”. Como alfaces na geladeira, não duram mais do que uma semana, se tanto. Um recente pé de alface é rapidamente consumido ou descartado por conta da chegada do novo. Podem até conviver juntos, mas por muito pouco tempo. Nada mais do que o “first in, first out”, algo que me vem à mente da época da engenharia de alimentos.
Em outras palavras, trata-se de um tempo de prateleira que obriga uma reposição cíclica de intervalo curto. Diante disso, é inevitável provocar: “Existem tantos fenômenos “hypantes” disponíveis semanalmente? Ou ainda: “É possível criar fenômenos desse tipo por conta própria periodicamente?” Não pretendo aqui chegar a respostas definitivas, mas somente de fazer as perguntas indevidas. E ainda assim alguns dos poucos remanescentes desse embate de ideias tentariam disparar o argumento do awareness como “bala de prata” contra esse professor “vampiresco”.
Pois bem, analisemos o mais recente fenômeno “hypante” das redes sociais, o da moça do avião. Não irei entrar no viés ético, moral ou comportamental em relação ao fato em si. Mas vale ressaltar o óbvio. A imensa maioria dos comentários condenou a aparente atitude indelicada da passageira. Será mesmo? Não é preciso ser um doutor em comportamento humano nas redes sociais para entender que se manifestar publicamente a favor dela geraria mais potencial para “pauladas” do que afagos. Logo, muitos preferiam não se manifestar, ou a fazê-lo “petit comitê”.
Para esse escrevinhador metido a colunista, ler e ouvir que a maioria das pessoas condenou a atitude da referida moça chega a ser algo esdrúxulo. A vontade quase incontrolável é a de perguntar: “Maioria? Baseado em qual processo de pesquisa quantitativa?” Pessoalmente, é entristecedor saber que, em tempos atuais, as redes sociais se tornaram parâmetros confiáveis para determinação de fenômenos sociais. Profissionalmente, é lamentável que marcas façam proveito disso de forma tão assídua e sem o uso de critérios inteligentes. O importante é “estar na boca povo”, não é mesmo? Em termos de awareness, é preciso estar na mente das pessoas, pois lá se fica por mais tempo.
Por fim, vale destacar que negócios, produtos ou serviços possuem “potência de branding” inerentes a sua natureza. Para alguns, tal potência pode levar a alturas inimagináveis. Para outros, nada além do que “vôos de galinha”. É caso dos varejistas de bens duráveis. Na hora de comprar a geladeira para guardar a alface, não há awareness que resolva a escolha pelo produto mais barato, seja qual for a loja onde será adquirido. Ainda mais em tempos de “guerra das abas”.
Que 2025 seja prodigioso para todos, e mais criativo para os profissionais de marketing.
Ricardo Poli é professor, palestrante, provocador, piadista e colunista da BRING ME DATA.
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As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.