O caso Sam Altman: fofocas, dividendos e oportunismo
Confesso que torci avidamente para que as meninas da Macfor não me enviassem como pauta dessa coluna semanal o caso da OpenAI e da demissão de seu ex-atual-CEO, Sam Altman. Mas elas são implacáveis e, pelo visto, exercem muito bem a capacidade telepática com fins de irritar esse velho professor de marketing rabugento. Obediente que sou, não deixarei de exercer a função pela qual fui incumbido. Entretanto, sem jamais renunciar a meus temperos mais prediletos, ácidos nesse caso.
A torcida contra tal sugestão de pauta é algo simples de compreender. Em resumo, trata-se de um enxame de boatos, fofocas e “diz-que-me-diz-que” onde não se tem a certeza de nada e onde não se chega a lugar nenhum. O mundo corporativo, ao contrário do que muitos podem pensar, é tão boateiro ou fofoqueiro quanto o mundo das pobres pessoas físicas mortais. Afinal, do que é formado o mundo corporativo?
A diferença está no fato de que, nesse mundo, o “diz-que-me-diz-que” é muito bem-vindo e serve para ganhar dinheiro. Sua tradução tem a denominação, ora simpática, ora antipática, de especulação. A bolsa de valores é o exemplo mais emblemático desse fato. “Vai subir? Vai descer? Ouvir dizer que.” O mesmo vale para o jornalismo, onde o furo de reportagem vem de quem primeiro propaga algo a ser especulado. Me vem à lembrança o jornal esportivo Lance!, direcionado aos homens fofoqueiros, e a revista Caras, direcionada às mulheres boateiras.
No caso de Sam Altman, a rede social X conseguiu se transformar em algo como “Lance! de Caras”, ou o inverso, como preferir. Fico curioso em saber qual foi o tempo gasto (ou perdido) pela humanidade no ato de comentar esse assunto nas redes sociais. Mas não cairei na tentação de especular sobre isso, tão pouco exercer qualquer forma de julgamento, explícito. Prefiro perseguir a resposta às seguintes perguntas: “Para onde tudo isso a levou? Quem ganhou dividendos com isso tudo?”
O que ainda me chamou a atenção foi a “diversidade ótica” de várias colunas digitais a respeito do assunto. Em outras palavras, a variedade de vertentes analíticas que arriscaram analisar o referido fenômeno sob o viés geopolítico, antropológico, social, psicológico, catastrófico, filosófico, econômico, futurista, dentre outros tantos. Dentre todos, o viés “exótico” foi o que mais me causou arrepios cerebrais.
Em tempo: o viés exótico é a vertente que arriscou comentar o ocorrido objetivando a proliferação e a confirmação de ideias ou convicções. Algo como aquele personagem de um desenho animado conhecido muito mais pela frase que sempre repetia do que em função de seu nome próprio. A frase era – “Eu te disse! Eu te disse!” – fosse qual fosse a situação ocorrida, mas sempre objetivando justificar a mesma ideia pré-estabelecida. O nome dele? Já não lembro mais…
No caso de “Altman + OpenAI”, especificamente, o viés do “altruísmo eficaz” se configurou como extremamente exótico. Isso porque o termo por si só carrega, de antemão, uma contradição intrínseca redundante. Por algum acaso do destino, existe verdadeiro altruísmo que não seja eficaz? É possível estabelecer qualificações ao que se concebe por altruísmo? Ouso dizer que não. Ou é altruísmo ou não é altruísmo. Não existe o meio do caminho. Ou é ou não é.
Esse novo “modismo de tendência” é extremamente perigoso, na mesma medida do que se teme em relação a evolução da IA. Em poucas palavras, e arriscando a ser reducionista em exagero, os princípios do “altruísmo eficaz” propõem fazer uso de “evidências e raciocínio lógico” com objetivo de determinar formas de melhorar o mundo por meio da criação e desenvolvimento de negócios. A princípio, lindo, eficaz e convincente.
Todavia, seus desdobramentos, sempre embalados com causas notáveis e impecável senso de justiça, são recheados de contradições e idiossincrasias. Parte-se do pressuposto que corporações assumam e determinem quais são as causas sociais e humanitárias a serem priorizadas para alocação de recursos a serem doados. Os critérios para tal são estabelecidos em função de métricas eminentemente quantitativas, típicas de empresas ligadas a área de tecnologia. Os ganhos qualitativos e de longo prazo não são considerados metrificáveis.
Em poucas palavras, um assistencialismo de impacto imediato, mas nada transformador, que, com absoluta certeza, será utilizado como subsídio em campanhas digitais com vistas a potencializar o awareness de muitas marcas. Muito provavelmente se gaste mais na comunicação mercadológica “do mesmo do que no mesmo”. Nada contra o assistencialismo de alto impacto, necessário e fundamental diante de realidades de extrema desumanidade.
A questão é: “Empresas de tecnologia têm competência inerente para determinação daquilo que se configura como causa social e humanitária? Possuem competência ainda para resolução de problemas desse tipo? Elas existem para isso?”
Destaca-se que tais perguntas foram direcionadas a empresas de tecnologia pelo fato de que a origem do movimento, se é que se pode qualificá-lo como tal, surgiu no Vale do Silício. O dito defende relações de trabalho mais participativas e o “bem-estar acima do lucro ou do reconhecimento imediato”. Novamente, tudo lindo e maravilhoso. E isso tem a ver com o caso Altman, acredite.
A grande confusão estampada nas colunas do mais diversos blogs e afins justificam a “demissão-admissão” de Altman pelo conselho da OpenIA como consequência, ou causa, do chamado “altruísmo eficaz”. O intrigante é que, em algumas colunas, Altman foi caracterizado como “traidor da causa”, em outras, como “mártir da causa”.
Para fugir dela, prefiro me ater à suposta origem de tudo. Se o referido movimento tem a pretensão de mudar o mundo, que o faça a partir daquilo que sabe fazer, em essência. Boas práticas, bem-estar, justiça nas relações, ética, dentre outros valores, devem ocorrer, antes de tudo, dentro das próprias corporações. Grandes empresas tecnológicas do Vale do Silício são conhecidas por suas estratégias eficazes com vistas a não pagar impostos, políticas de recursos “desumanos” e pouca preocupação com seu próprio quintal.
A questão social desumana do referido vale cresce a taxas significativas, facilmente constatável por métricas bem quantitativas, onde pode se chegar, por exemplo, à quantidade de moradores de rua presentes na região. Conseguem resolver esse problema? Ou ainda existem poucos “homeless” por aí?
Empresas não são democracias, e nunca serão. Existem para gerar lucro, por meio da venda de produtos e serviços. Sua principal obrigação fiscal é pagar impostos. Sua principal obrigação social é remunerar bem seus funcionários e tratá-los com dignidade. E incentivar que gastam parte de sua remuneração em causas sociais que mais lhes agradar. Isso feito, podem gastar “corporativamente” seus rendimentos como bem entender. Mas não tenham a pretensão de dizer ao mundo o que é prioridade. É mais prudente, inteligente e eficaz deixar as causas sociais e humanitárias a quem não visa o lucro
“Altruísmo eficaz” é o mais novo engodo do mundo corporativo. Muito bem empacotado, obviamente. Cumprir as obrigações fundamentais esquecidas já se configura como um grande avanço. Acionistas estão abertos a ser menos remunerados por conta disso? Isso sim é ser “ruptível”.
E fica novamente a pergunta presente numa coluna bem anterior a essa: “E a tia do café? Será que ela ganha mais de cinco salários mínimos nessas empresas descoladas de tecnologia?”
Se sim, trata-se de uma baita inovação, não é mesmo?
Ricardo Poli é professor, palestrante, provocador, piadista e colunista da BRING ME DATA.
Cadastre-se para receber a BRING ME DATA toda segunda para não perder as principais novidades e tendências do mercado com opiniões de grandes especialistas.
As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.