O Carnaval já passou, mas para quem ainda lembra de algo que aconteceu no período, vale o destaque para a mudança que a TV Globo executou em sua tradicional transmissão dos desfiles da referida festa. Teria passado despercebida, caso não tivesse sido o tema central de muitos colunistas especializados em programação televisiva.
Muito mais pela postura falastrona do novo diretor responsável pela transmissão, do que em função da forma de transmissão em si. Boninho, ele mesmo, foi incumbido por Amauri Soares, seu chefe, em transformar a transmissão do Carnaval em um “produto” de entretenimento, o que implicaria obrigatoriamente em deixar de ser um “produto” jornalístico.
Na prática, as transmissões dos desfiles das escolas de samba de São Paulo e Rio de Janeiro passaram a ter “hostesses” e não mais jornalistas como principais personagens da “linha de frente”. Ademais, a captação de imagem também foi pensada e executada tendo a premissa do entretenimento.
Em tempo: sim! Boninho tem um chefe.
Tal mudança gerou certa repercussão negativa por parte do público, mas não o suficiente, acredito eu, capaz de fazer como que um amante dos desfiles preferisse assisti-los em outro canal, o que seria impossível. Entretanto, os comentadores de programação televisiva, ao apontar suposta queda na qualidade da transmissão, foram literalmente debochados pelo novo diretor de transmissão.
Era tudo que se queria. Nada como um bom deboche para esvaziar o estoque acumulado de comentários raivosos, quase todos temperados com pitadas de inveja e vingança, e com prazo de validade prestes a vencer.
Nem vou ousar comentar esse tiroteio de vaidades. Esse velho professor de marketing rabugento prefere a abordagem mercadológica do fenômeno descrito. Assim sendo, tal mudança, em termos estratégicos, é coerente e justificável. Isso porque a transmissão jornalística é mais restritiva a ações de patrocínio, ou qualquer outra forma de ação mercadológica do que a transmissão com viés de entretenimento.
Logo, a nova forma de transmissão do carnaval passaria a ter um potencial de receita muito maior advinda de anunciantes. Em teoria, algo perfeitamente lógico, bastando adequar o “modus operandi” da transmissão. Na prática, não foi o que aconteceu.
Das quatro cotas de patrocínio disponíveis para transmissão dos desfiles, apenas duas foram vendidas. Uma delas foi para a Brahma, que já havia anunciado a compra no ano passado. Pode-se concluir que o faturamento aumentou, mas ficou longe da meta esperada. Duas de cinco cotas, sendo uma já vendida há tempos.
Obviamente, isso não pode ser atribuído à qualidade da nova transmissão, visto que contratos de patrocínios são firmados antes do carnaval acontecer. O que justificaria, então, o fracasso nas vendas das cotas do carnaval pela renomada emissora?
Saiba o acidental leitor dessa coluna que essa pergunta, bem como o contexto que leva a ela, seria o motivo instigador para uma discussão em sala de aula. Seguindo a trilha da lógica estratégica de marketing, chegar-se-ia, inevitavelmente, a um binômio que não poderia passar desapercebido: o produto e o mercado.
Uma transmissão com viés de entretenimento tem como principal mercado os anunciantes. Já no viés jornalístico, o mercado é muito mais o usuário da programação. Caso a audiência se mantenha, uma nova oportunidade de receita estaria garantida. Algo esperado, visto que os apaixonados por desfiles transmitidos pela TV não teriam outra opção que não a transmissão pela Globo.
Mesmo assim, a meta não foi alcançada, o que leva a dois questionamentos. O primeiro: “qual o tamanho dessa audiência?” O segundo: “uma mudança na forma de transmissão seria capaz de aumentar a audiência historicamente existente?”
Se faz inevitável ainda considerar que o produto em si pode estar defasado em relação aos atuais produtos televisivos “moderninhos”. Vale outra pergunta: “quantas pessoas, em pleno período de carnaval, estão dispostas a ficar horas em frente à TV assistindo a inúmeros episódios praticamente idênticos de uma mesma série?” Ouso arriscar que isso é um programa para fanáticos ou apaixonados.
Independentemente da forma de transmissão, desfiles de escolas de samba são difíceis de assistir, ainda mais no sofá. Haja pipoca! A dificuldade aumenta substancialmente quando se está fora de casa para fugir da grande festa ou quando se tem a alternativa de se estar no meio dela, vulgo bloquinho, por exemplo.
Até as meninas da Macfor concordariam comigo, o que é raro, quando afirmo que o carnaval dos desfiles de TV virou uma grande indústria. Isso me leva a recordar uma provocação que sempre faço a meus amigos de escolas de samba: “se eu colocar o DVD do carnaval de 1987 na TV, o desfile será muito parecido com o desse ano. Você nem saberá me dizer de quando é o desfile.”
Eles me odeiam, momentaneamente, por conta disso. Mas o fato é que o produto parou no tempo, sendo atrativo a uma audiência que já não é mais a mesma e que só tende a diminuir no futuro.
Não há mudança de transmissão que resolva isso.
Ricardo Poli é professor, palestrante, provocador, piadista e colunista da BRING ME DATA.
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As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data e do blog da Macfor.